31.12.08

Portal do tempo

É o último dia de dezembro
Tu te perguntas se estais mesmo pronto
Pensa em quem vai
Dali
Sair correndo
Ou em quem vai
Ficar
Juntando escombros

Em como vão reagir os amigos
Os inimigos
Os desconhecidos

Pensa nos anos todos sucumbidos
E nas vitórias
Nos milhões de planos
E tu te sentas
Calmo
Na poltrona
Bebes de um gole só o desespero
Da esperança
Criada em cativeiro
Tira
 os suportes
Para próxima semana

Próximo mês
Talvez
Próxima era

Pra se molhar
Os dedos na quimera
E rabiscar na tela outros anos

E se uma bomba explodir
Aflita
Na tua rua ou na tua cama
Saber que a bomba
Mente
Traí
Engana
E que em momento algum ela te habita

Dentro de ti há árvores seculares
Flores diversas
Cores variadas
Texturas próprias
Fontes preparadas
Para fluir
até o fim dos dias

E se a bomba parecer potente
Basta sabe-la vil
Covardemente
construída
Para impedir a vida
De ampliar seus ramos
Pela nova estrada

Basta saber
Que não há de ser nada
Que os dias vem e vão
Indiferentes
Bombas e balas
Não são suficientes
Para impedir teu sonho
em movimento

Abra
o champanhe

Comemore a glória
De ver a vida abraçada à história 
Atravessando o portaldo tempo

26.12.08

Canção e vida

Um dia desses, eu era feliz como quem nunca se afastou do porto

Matava a fome num ou noutro corpo e idolatrava as luzes do País

Quando cantava, era sem esforço. Me vejo ainda escalando um fosso

Pra sussurras canções pra alguma atriz

 

Por muitas vezes cruzei a estrada que dá em nada,

A da canção do Gil

Só pra colher papoulas destroçadas, amontoadas num distante abril

O curioso é que, quando voltava, eu gargalhava ao som do vinil

 

Casa no campo, violão com lua, namorada nua, beijo de uma estranha

Cauda de pavão cheia de mistério, Chico, o planisfério, Rita, Gal, Bethânia

 

Lembrando agora vejo que não fiz nem a metade do que tinha em mente

Enquanto expunha o corpo ao sol quente e rabiscava textos na alma com giz

 

Percebo agora que a estrada em frente, aquela mesma que vai dar em nada

É a morada do que eu sempre quis

 

Por isso sigo firme, passo á passo. Há algo belo, eu sei, em algum lugar.

Para encontrar na borda do oceano a flor que valha à pena cultivar

É necessário estar disposto a tudo. Solto no mundo, quero caminhar

 

Quero explorar os buracos da rua e revirar as cestas nos portões

Assoviar pra voz que continua a misturar a vida com as canções

25.12.08

O Papa definitivamente não é pop

Ao contrário de JP2, que tinha um carisma fantástico, o atual Papa é naturalmente antipático.

Como se não bastasse isso, o sujeito ainda é alemão, o que agrava a coisa em termos de simpatia, e há quem garanta ter sido ele simpatizante do nazismo na juventude.

Considerando o grau de preconceito e conservadorismo extremo que emana de seus discursos não é muito difícil imaginar que isto seja verdade. Aliás, o histórico geral da igreja católica mostra uma certa queda por um comportamento intolerante e autoritário. A idade média é uma prova irrefutável disso. Bastava o sujeito não concordar com uma ou outra bestialidade praticada pelo clero, já que naquele período as bestialidades em geral eram até comuns, para que o mesmo fosse acusado de heresia ou coisa parecida e acabasse torrado em uma fogueira santa qualquer.

Quase todos os atuais instrumentos engendrados pelo ser humano com o propósito de tornar miserável e dolorosa a existência de outros seres humanos foram inspiradas nas máquinas medievais de tortura planejadas e largamente utilizadas pelos então proprietários da fé, da verdade absoluta e das almas dos pobres e infelizes – Isso é quase um pleonasmo -, e mesmo assim, ao que parece, ninguém aprendeu nada.

Na semana passada o atual detentor do trono de São Pedro manifestou-se mais uma vez a favor do preconceito e da intolerância ao defender, de forma bem sublime como o cargo exige, o extermínio dos homossexuais. Fez analogia, inclusive, com o movimento ecológico e estabeleceu que o salvamento do planeta passe pela correção dos “desvios” da sexualidade. Um discurso digno de náuseas.

Como pode alguém cuja profissão o obriga ao celibato tecer conjeturas a respeito da sexualidade humana? É antes de tudo um contra-senso. Se há algo que o Papa desconhece profundamente são as nuances do ato sexual. Pelo menos oficialmente.

Na verdade a coisa não passa de cortina de fumaça. O interesse real das religiões como um todo reside no exercício de poder e não na “purificação” do ser humano através de um determinado comportamento tido como “correto” diante de “Deus”. Isso tudo é bobagem. O pano de fundo desse debate é a prática do sexo com o objetivo exclusivo de reprodução, como se houvesse pouquíssima gente no planeta, e a conseqüente capacidade de dominar, ditar regras e ser absolutamente obedecido.

Seria bom se as pessoas mais esclarecidas reagissem a isso. A pior coisa que poderia acontecer ao planeta seria o retorno do obscurantismo ao ponto de até mesmo a sexualidade de cada um ser vigiada por um poder estabelecido. Na verdade até mesmo os que defendem esse absurdo em nome da fé deveriam rever suas posições. Se esse papa, que é uma anta peluda, pode dar-se ao luxo de exercer a intervenção estatal – o Vaticano é um Estado – na sexualidade alheia, seus sucessores certamente terão o mesmo poder. Já pensou se algum Papa futuro resolver tornar o homossexualismo obrigatório? Seria, literalmente, um “Deus nos acuda”.  


21.12.08

Bando de doido....um elogio à loucura, ou, no caso, à doideira.

Apaguei todos os meus scraps no orkut, menos dois. Um com um vídeo do Eric Clapton que uma amiga me enviou, e um outro, do Bando de doido, contendo um programa auto executável com 6 belíssimas canções.

Gosto muito de ouvir músicas boas dessa turma nova a qual mídia se recusa a dar uma força. Na verdade creio que se a música do Bando de doido tocasse nas rádios seria um alívio para os ouvidos e, principalmente, para a alma dessa galera toda que perambula por aí procurando algo decente para ouvir.

Para ser sincero tenho a nítida impressão de que se Chico, Caetano, Tom e tantos outros ícones da MPB começassem sua carreira nos dias de hoje estariam fadados ao limbo. Esse povo de gravadora e rádio, ao que me parece, salvo raríssimas exceções, deixa o cérebro trancado em uma gaveta na hora de escolher artista e repertório e com isso privilegiam o que há de pior, publicando coisas aquém do medíocre.

Mas há uma luz no fim do túnel e felizmente não é um trem. A internet hoje nos permite furar o bloqueio e ter acesso a artistas fantásticos em todos os cantos do planeta. Música, artes plásticas, literatura...tudo anda girando na rede de forma maravilhosa e graças à isso podemos ouvir, por exemplo, o Bando de doido, Beto Gaspari, Marko Andrade, Marcelo Ferreira, Juliana Zanardi e tantos outros artistas fabulosos. A internet nos permite verdadeiros contatos imediatos de múltiplos e variados graus.

Como disse Bandeira: Evoé Baco! Evoé Momo! Evoé Vênus!

E, acrescento eu, evoé internet!

OBS: quem quizer conferir é so acessar www.myspace.com/bandodedoido

20.12.08

Chico Alencar, o escrotinho, e a demagogia de "esquerda"

O Deputado Chico Alencar quer transformar o Funk em cultura popular brasileira. Nota-se de longe que o parlamentar mais bobento do Rio de Janeiro não tem a menor idéia do que seja a cultura nacional.

Qualquer criança sabe que o Funk é um gênero tipicamente americano imposto aos favelados do Rio de Janeiro, e posteriormente de outros Estados, como opção única de "lazer". Na prática serve de instrumento para bestialização de massa na medida em que é usado para fazer apologia aos traficantes menores, às drogas e à banalização do sexo.

Independente disso, no entanto, seria um erro dizer que o movimento Funk, em si, é algo violento. Na verdade o uso político que se faz dele, devido à influência que este exerce no comportamento dos jovens carentes, é que o torna condutor de violência como forma de dominação.

Sem querer entrar no mérito da qualidade artística, pois minha má vontade e aversão natural ao funk não me permitiriam ser imparcial, me surpreende a demagogia da coisa. Na prática é como se alguém tentasse impor, por decreto, o rock ou o tango como culturas nacionais. Algo ridículo.

Na verdade, no entanto, não me surpreende que tal coisa tenha Partido de Chico Alencar. Este senhor fez carreira nos últimos anos surfando na demagogia e agarrando-se a um conceito muito próprio de ética parasitária que impressiona bastante a tola classe média carioca e o mantém sempre como paladino da moralidade, como, aliás, acontece com muitos parlamentares conservadores pelo Brasil afora.

Sujeito esperto, na acepção política da palavra, Chico deve ter percebido que o vazio existencial tem empurrado milhares de jovens da classe média carioca para os morros e bailes funks nos últimos anos. Então, independente dos dramas vividos pelas famílias desses jovens, o parlamentar deve ter percebido que esse “êxodo social” poderia lhe ser útil na captação de votos entre essa turma. Um comportamento escroto, mas que pode lhe garantir a sobrevivência política.

16.12.08

Porque me ufano do meu País...

Roubei o título do livro do Afonso Celso escrito no fim do século 19 pra tentar explicar a genialidade dos nossos governantes. A realidade tem me chegado através da imprensa, claro, mas à um custo terrível. Ler qualquer jornal brasileiro da atualidade pode ser arriscado. O sujeito pode até destroncar o cérebro na tentativa de compreender a lógica surrealista que reina no universo tupiniquim.
No Estado do Rio, por exemplo, a moça que responde pela Secretaria de Educação anunciou recentemente a adoção do Funk nas salas de aula. Certamente criada na Zona sul da capital, ela deve achar uma gracinha o "Pancadão" do bonde do tigrão, tanto que ao invés de Português ou matemática decidiu que as meninas devem aprender a ser popozudas desde a tenra idade.
Não bastasse isso, li também que o grave problema da Educação esta sendo resolvido também com outra singela demonstração de criatividade. Além de Funk as escolas vão adotar também a meditação. Genial isso. Teremos no futuro toda uma geração completamente analfabeta, porém, altamente zen.
E o Lula? Seguindo a lógica de que as crises geram oportunidade, o Presidente da república, para o qual a crise internacional até dia desses era apenas uma marola, resolveu assumir a gravidade da mesma e aproveitar a onda para se vingar dos trabalhadores que o elegeram. Para tanto, o sapo barbudo esta propondo, em nome da resistência ao caos Bushiano, a "Flexibilização" das leis trabalhistas. Bunitinho, né? Os mega ricaços além de lucararem com o santo cascalho de bilhões de dólares vindo dos bancos centrais do planeta e com a isenção de alguns impostos, ainda ganharão o direito de adotar o trabalho escravo legalmente. Bota criatividade nisso.
E o povo, coitado, só entra na história pra pagar a conta. Freud, não, mas Masoch, creio, explica isso.

15.12.08

Versos íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável 

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão - esta pantera - 

Foi tua companheira inseparável!


Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,


Mora, entre feras, sente inevitável 

Necessidade de também ser fera.


Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro, 

A mão que afaga é a mesma que apedreja.


Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!


Augusto dos Anjos

12.12.08

Um certo Marcelinho Ferreira Trio

Rolou música de altíssima qualidade na última terça-feira, 09/12, no Bistrô.

O Guitarrista Marcelo Ferreira, que já rodou alguns cantos do planeta  oferecendo arte da boa aos nativos locais, resolveu desembainhar a guitarra e, juntamente com o Baixista Marcio Andrene e o Baterista Elvis Batera, formando o Marcelinho Ferreira Trio, comandou um espetáculo raro.

O grupo, que contou ainda com canja de Rogério Fraga - Bateria,   fez o Jazz subir pelas paredes, atravessar o salão e abraçar a platéia que andava aflita por algo assim, tão gostoso de ouvir.

No repertório algumas canções chamaram a atenção de maneira contundente. Velas Içadas (Ivan Lins e Victor Martins), Vera Cruz (M. Nascimento e Márcio Borges), Casa Forte (Edu Lobo) e Incompatibilidades de Gênios (João Bosco e Aldir Blanc) ganharam arranjos singulares. O trio emprestou a cada uma delas uma sonoridade especial e completamente nova, mesmo porque a qualidade dos músicos impôs naturalmente uma real impressão de que os instrumentos eram acariciados e respondiam ao carinho imediatamente, ressonando melodias e ritmos com suavidade e elegância. 

A até então inédita Notícias da África (Marcelinho Ferreira), seguiu pelo mesmo caminho, para o regozijo geral.

O som deveria acabar por volta das 11hs, mas foi até 1h da matina devido à dificuldade apresentada por cada um dos presentes na hora de ir embora. Estava bom demais.

O Marcelinho Ferreira Trio agora vai rodar por aí, tocando, como bons artistas, segundo Milton Nascimento, onde o povo estiver. Mas a turma do Bistrô torce pra que o vôo por outras plagas seja rápido e que o retorno seja breve.

9.12.08

Teu sabor

Beijei tua flor molhada

Cheiro e cor de papoula

Minha boca perfumada

Tonta e avassaladora

Atravessou a morada

Dos deuses e foi do nada

Ao tudo em alguns segundos

 

Senti o sabor do mundo

Brotando de cada lábio

Da tua da tua rosa entre aberta

E cada gota de sumo

Nutria-me, como o húmus

Que espalhado na terra

Nutre e revigora a planta

 

Sorvi tua alma e foi tanta

E tão doce minha voragem

Que ao contemplar nossa imagem

A lua empalideceu

Deixei, por fim, bem guardado

Na memória da minha boca

O sabor do gozo teu


OBS : A imagem que ilustra este texto pertence ao Blog Contos de LIilith, da Samarah. Sei que quem visitar vai gostar:  http://meuladolilith.blogspot.com

6.12.08

Sozinho

O sol batendo no mar

Na fachada do outro prédio

No batente da janela

 

O brilho explode e revela

O corpo solto na sala

Vestido de solidão

 

Escorre suor da fronte

De cada palma da mão

 

E atravessa o horizonte

Um olhar escurecido

 

Um corpo só e perdido

No espaço de um olhar escuro

 

Um corpo só e maduro

Em meio à escuridão

 

O brilho rasga o oceano

Colore os arranha-céus

 

Envolve os prédios com véus

De luzes tão variadas

 

E os olhos não vêem nada

Só as manchas desbotadas

Que se espalham pela estrada

De quem caminha sozinho

Cristina Motta cantando  Pra dizer adeus  de Edu Lobo e Torquato Neto

5.12.08

O que não tem governo, nem nunca terá...

No Brasil não há Governos, apenas máfias que se sucedem ou revezam no poder. Tudo, absolutamente tudo, em termos de poder público foi transformado em mero balcão de negócios independente de quais sejam os titulares dos cargos. Em função disso não temos nada que seja ao menos parecido com o que se possa chamar de civilização socialmente organizada.

Vivemos hoje, a grosso modo, o mesmo estágio que os EUA viveram nos anos 40/50. O estágio das máfias organizadas. Todo o sistema criminal brasileiro hoje tem alguma forma de penetração no Estado, seja em nível municipal, estadual ou federal. As milícias, por exemplo, têm várias faces. E o que assistimos hoje é uma guerra entre elas, pois a parte que detinha poder político antes está sendo atropelada pela que detém este poder agora.

As máfias, no entanto, não se resumem às milícias, elas estão em toda parte. Na saúde, na educação, no saneamento,... Em tudo. Inclusive na imprensa.

Li esses dia sobre as maravilhas operadas no Dona Marta, morro de Botafogo, e senti pena de quem lê o jornal acreditando ser algo sério. Não há oásis de paz em meio a guerra urbana, qualquer coisa dita diferente disso é uma mentira deslavada. Mas os jornais adotam a mentira e a pregam como se fosse verdade. Uma ação mafiosa.

Se alguém, ou algum Governante, quisesse realmente combater a criminalidade, chamada erroneamente de violência, precisaria agir de forma correta, atacando as causas ao invés das conseqüências. A origem do mal está nos vastos quilômetros de fronteiras desguarnecidas do Brasil, por onde as drogas entram, e não nas favelas.

 No comecinho da década de 90 escrevi um artigo sobre isso em uma revista e a realidade continua a mesma. A guerra urbana nasce lá, na complacência governamental com o tráfico de drogas. Mas ninguém liga pra isso. Mesmo porque essa máfia gera muito dinheiro e exerce poder nas três esferas republicanas no mundo inteiro, sendo um instrumento importantíssimo de controle da população e do comportamento geral. A Polícia Federal, no caso do Brasil, tem a tarefa legal de combater esse crime específico, mas tem sido muito mais produtivo para os donos do negócio esperar que a coisa chegue às grandes cidades, tipo Rio e São Paulo, transformando-as em um inferno, pois mata-se dois coelhos com uma só cajadada. Ganha-se dinheiro e impõe-se o medo. De resto, para dar uma satisfação à obtusa sociedade, coloca-se as desestruturadas e desaparelhadas PMs na linha de frente do combate para garantir que os negócios não sofram grandes perdas.

Aliás, a polícia Federal atualmente serve para tudo - inclusive como instrumento de perseguição política - menos para cumprir suas funções constitucionais. 

Se Ulisses fosse vivo certamente se arrependeria daquele discurso louvando nossa constituição. Ela foi abandonada, coitada, à sua própria sorte.

4.12.08

Gás metano

Há horas em que a gente desanima

A febre queima e não arde

O sol nasce muito tarde

As horas passam mesquinhas

E a boca se cala e perde

Toda a capacidade

De distinguir os sabores

 

Um saco cheio de odores

Parece que nos invade

A alma pelas narinas

 

E nem as luzes dos carros

Iluminam a neblina

Que resiste ao fim da noite

 

Há horas em que o corte

Eterno no peito nu

Inflama, cresce e dói

Então todas as paredes

Que a alma humana constrói

Desabam assim, de repente

 

Quase que sutilmente

Desaparecem nos olhos

Aniquilados do herói

 

Há horas em que um ser

Triste, nocivo e estranho

Vira ácido e corrói

As estruturas internas

Do edifício humano


Espalham-se pelo ar

Os moles de um gás metano

Entorpecendo os sentidos


O estranho mundo dos vivos

É feito só de enganos,

Medos e paliativos

30.11.08

Arakén voou...junto com sete cantigas

Meu terceiro pai morreu hoje.

Arakém Álvaro dominava muitas artes, sobretudo as plásticas, as gráficas e as humanas. Em duas décadas e meia - mais ou menos - de convivência aprendi com Arakén tanta coisa sobre vida que o acúmulo disso tudo hoje em dia até dói. Não pelo excesso em si, mais pelo fato de pouca gente ter tido tanto pra ensinar ao mesmo tempo.

Pintava coisas fantásticas. Mas do que pintar, porém, falava. E tinha sempre tanta coisa pra dizer que era impossível não ouvir.  E essa coisa impossível de não ouvir era fácil de constatar. Bastava olhar o mundo, avaliar as possibilidades para descobrir que Arakén tinha razão no que dizia.

Foi a primeira pessoa que vi se referir aos poderosos como seres menores. Tinha inclusive um jeito bastante especial de desconstruir a imagem de qualquer um daqueles mandões – generais, deputados, ministros, prefeitos, etc. -  que pululavam na época da ditadura militar. Era naturalmente genial.

Insurreto até a medula e iconoclasta por convicção, nos ensinou, a mim e a tantos outros amigos, a desconfiar daqueles que tem poder nas mãos, principalmente os ilegítimos.

De um modo geral, no entanto, apesar da forte convicção política, Arakén nos falou muito mais de amor a arte e a vida do que qualquer outra coisa. Por isso nos despedimos dele cantando. A canção foi  "Sete cantigas para voar" do Vital Farias, puxada pela Elaine Caldas e pelo Beto Gaspari. Ele adorava essa música, por isso foi voar com elas, as cantigas. A gente fica de olhos marejados ouvindo os acordes soarem livres no vento. A coisa nem aconteceu direito e já bate a saudade... putzzz

OBS: no vídeo, Tereza Cristina e grupo Semente,  no Teatro FECAP, em São Paulo, interpretando Sete cantigas para voar, música de Vital Farias

29.11.08

Stanley Netto em Designer Pop

Na quinta-feira, 27/11, o Bistrô Brasil foi palco de um belíssimo espetáculo. Stanley Netto e sua banda, com Luiz Carlos ( Baixo), Marcos Vasconcelos (Guitarra), Nélio Junior (Teclados) e Thiago Feghali ( Bateria), apresentaram o Show "Designer Pop". 
Mergulhando no que há de melhor no pop nacional e apresentando também musicas próprias, Stanley suavizou a saudade da turma, pois fazia muito tempo que o artista não se apresentava na cidade.
A platéia, onde vários amigos e parceiros do mundo cultural se misturavam à um público jovem que vem descobrindo aos poucos o talento de alguns artístas da cidade, aplaudiu de forma entusiamada o espetáculo. 
Stanley e sua banda então de parabéns pelo belo trabalho. E o Bistrô também. 


26.11.08

Nunca mais


O sol despenca

Com um ar calamitoso

No horizonte arbitrário

Da minha caverna escura

 A noite chega

e sinto falta de mim

 

Lembro de Cecília

Pois eu também não tinha este sorriso feio

 

As cicatrizes se espalham pelo meu rosto

Mas nem lembro mais dos cortes

das feridas

do sangue

das tantas dores

Nem mesmo dos arredores

de onde perdi a vida

 

Já não me lembro mais dos parques

Nem jardins da Prefeitura

 

Nem mesmo, sequer, me ocorre

Em que vaga criatura

Abandonei os temores

Que me mantinham pregados

Ás coisas todas do mundo

 

Já não sei mais em que corpos maliciosos

extravasei meus amores,

E já nem sei se eram mesmo amores

Ou vícios de humanidade

 

Lembro vagamente dos meus sorrisos

espalhados na cidade

Em cada porta havia

ao menos um sorriso meu

 

Amava em estardalhaço, eu sei

Berrando gozos fantásticos

Mas isso também se perdeu

 

A noite que chega agora

não me traz melancolia

E nem mesmo os fantasmas dos amores mais antigos

 

Tudo desaba

Mas é como

se nem tivesse existido

Um tempo qualquer

Anterior a esta noite

Em que o corvo boquirroto

Grita em meus ouvidos

A velha e triste sentença:

 

Ele me diz “Nunca mais”

 

Será mera coincidência

Ou o corvo da consciência

- Demônio ou ave preta –

Grita a todos os poetas

Este verso em tons reais

 

Volto ao vinho

para encarar as tramas

urdidas na noite eterna

que desce pelo horizonte

escuro da minha caverna

 

Fecho todas as janelas

Ignorando os umbrais

 

Conhecendo minhas mazelas

não preciso mais de um corvo

pra me dizer

nunca mais.