28.2.09

Porque hoje é sábado...

Vinicius de Morais foi, de longe, o poeta mais popular que o Brasi já produziu. E ainda deu-se ao luxo de ser diplomata. 
Nas décadas de 60 e 70 o poetinha, como era conhecido, conseguiu fazer com que a poesia, tanto lida quanto músicada, fizesse parte do cotidiano de uma boa parcela da sociedade brasileira.
Suas canções, sempre divididas com vários parceiros, fazem parte da história cultural brasileira e até hoje são executadas em algumas rádios que tem compromisso com a qualidade de sua programação.
Chico Buarque, Badel Powell, Tom Jobim, Carlos Lira e Toquinhos foram alguns de seus principais parceiros. Vinícius foi o poeta que conseguiu mesclar o popular e o erudito. Um artista raro.
Alguns amigos diziam que Vinícius era um ser plural. Era vários. Pois se fosse um só, seria Vinicio de Moral. Vai ver que eles tinham razão.
O dia da criação

  

Hoje é sábado, amanhã é domingo 
A vida vem em ondas, como o mar 
Os bondes andam em cima dos trilhos 
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na cruz para nos salvar.  


Hoje é sábado, amanhã é domingo 
Não há nada como o tempo para passar 
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo 
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal. 


Hoje é sábado, amanhã é domingo 
Amanhã não gosta de ver ninguém bem 
Hoje é que é o dia do presente 
O dia é sábado.


Impossível fugir a essa dura realidade 
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios 
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas 
Todos os maridos estão funcionando regularmente 
Todas as mulheres estão atentas 
Porque hoje é sábado.

 


II



Neste momento há um casamento 
Porque hoje é sábado 
Hoje há um divórcio e um violamento 
Porque hoje é sábado 
Há um rico que se mata 
Porque hoje é sábado 
Há um incesto e uma regata 
Porque hoje é sábado 
Há um espetáculo de gala 
Porque hoje é sábado 
Há uma mulher que apanha e cala 
Porque hoje é sábado 
Há um renovar-se de esperanças 
Porque hoje é sábado 
Há uma profunda discordância 
Porque hoje é sábado 
Há um sedutor que tomba morto 
Porque hoje é sábado 
Há um grande espírito-de-porco 
Porque hoje é sábado 
Há uma mulher que vira homem 
Porque hoje é sábado 
Há criançinhas que não comem 
Porque hoje é sábado 
Há um piquenique de políticos 
Porque hoje é sábado 
Há um grande acréscimo de sífilis 
Porque hoje é sábado 
Há um ariano e uma mulata 
Porque hoje é sábado 
Há uma tensão inusitada 
Porque hoje é sábado 
Há adolescências seminuas 
Porque hoje é sábado 
Há um vampiro pelas ruas 
Porque hoje é sábado 
Há um grande aumento no consumo 
Porque hoje é sábado 
Há um noivo louco de ciúmes 
Porque hoje é sábado 
Há um garden-party na cadeia 
Porque hoje é sábado 
Há uma impassível lua cheia 
Porque hoje é sábado 
Há damas de todas as classes 
Porque hoje é sábado 
Umas difíceis, outras fáceis 
Porque hoje é sábado 
Há um beber e um dar sem conta 
Porque hoje é sábado 
Há uma infeliz que vai de tonta 
Porque hoje é sábado 
Há um padre passeando à paisana 
Porque hoje é sábado 
Há um frenesi de dar banana 
Porque hoje é sábado 
Há a sensação angustiante 
Porque hoje é sábado 
De uma mulher dentro de um homem 
Porque hoje é sábado 
Há uma comemoração fantástica 
Porque hoje é sábado 
Da primeira cirurgia plástica 
Porque hoje é sábado 
E dando os trâmites por findos 
Porque hoje é sábado 
Há a perspectiva do domingo 
Porque hoje é sábado 

 


III 
 


Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, 
Ó Sexto Dia da Criação. 
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas 
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra 
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra 
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado. 
Na verdade, o homem não era necessário 
Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como 
as plantas, imovelmente e nunca saciada 
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão. 
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias 
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa 
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos 
Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas 
em queda invisível na 
terra. 
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes 
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia 
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo 
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda 
e missa de 
sétimo dia. 
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das 
águas em núpcias 
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio 
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula. 
Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos 
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas 
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade 
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo 
E para não ficar com as vastas mãos abanando 
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança 
Possivelmente, isto é, muito provavelmente 
Porque era sábado.

26.2.09

Justiça tem 43 milhões de processos à espera de julgamento


JUSTIÇA TARDIA NÃO É JUSTIÇA. É INJUSTIÇA QUALIFICADA E MANIFESTA 
Rui Barbosa

Quarenta e três milhões de processos esperam para ser julgados pela Justiça brasileira. Este é o número que salta do Justiça em Números — Indicadores Estatísticos do Poder Judiciário, levantamento sobre o Judiciário brasileiro divulgado nesta quarta-feira (6/2) pela presidente do Conselho Nacional de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie. Apesar do otimismo esperançoso do anúncio dos números, a situação da administração de Justiça continua grave, principalmente quando se olha para baixo.

Do estoque de processos nas prateleiras do Judiciário, 33 milhões estão emperrados na primeira instância. E a grande responsável por este quadro é a Justiça Estadual de primeiro grau. São 32 milhões de processos que aguardam decisão dos juízes. Assustadoramente, 12 milhões desses processos estão empilhados em São Paulo, o mais rico e populoso estado da Federação.

Para o conselheiro Mairan Gonçalves, coordenador da pesquisa do CNJ, os números mostram que o Judiciário começa a se estruturar. Segundo ele, a Constituição de 1988 provocou crescimento do número de processos na Justiça, ao ampliar direitos do cidadão. “As cortes não estavam estruturadas para fazer frente a este crescimento de demanda”, ressalta. A ministra Ellen Gracie não assumiu o caos, mas disse em discurso ao Congresso Nacional que os Juizados Especiais e a mediação e a informatização já estão amenizando os problemas.

Gonçalves justificou seu otimismo dizendo que o número de casos julgados começa a superar o de novos processos. Ele citou os Juizados Especiais e a Justiça Federal. Os números, que não incluem Juizados Especiais Estaduais nem a Justiça Federal de primeiro grau, podem até indicar uma tendência, mas ainda são a exceção da regra. No cômputo geral de processos que foram julgados e que ingressaram nos juízos e tribunais de todo o país em 2006, o déficit é de mais de 2,6 milhões. Ou seja, a montanha de processos do Judiciário continua crescendo a um ritmo de queimadas na Amazônia.

O levantamento engloba a primeira e segunda instâncias das Justiças Estadual, Federal e Trabalhista, além dos Juizados Especiais Federais e Estaduais e turmas recursais. A pesquisa mostra que os números mais animadores estão na Justiça Federal. Em 2006, os cinco Tribunais Regionais Federais julgaram mais processos do que receberam. Ingressaram 378 mil recursos novos e foram julgados 438 mil, com um saldo positivo de 60 mil processos. Já os Juizados Especiais julgaram 1,2 milhão de processos ao tempo em que receberam 1,1 milhão de casos novos. Tiraram assim da pilha de casos atrasados (844 mil processos) mais de 100 mil ações. Já a primeira instância seguiu a norma de suas congêneres: julgou 549 mil decisões para 560 mil processos recebidos.

Os números permitem também o cálculo da taxa de congestionamento da Justiça, o resultado da relação entre as sentenças proferidas no ano e a soma das novas causas com as causas antigas pendentes de julgamento. A taxa geral de congestionamento do Judiciário, somando todas as instâncias de todos os ramos da Justiça, é de 69%. O que significa que de cada 10 processos nas prateleiras do Judiciário, apenas três são julgados no ano.

O gargalo mais estreito da Justiça é a primeira instância da Justiça Estadual, onde tudo começa e muito pouca coisa termina, ou demora muito. Com um estoque de processos vindos de anos passados de 29,5 milhões e com mais de 10 milhões de novos casos entrando no ano, as Justiças Estaduais somadas só conseguiram julgar 8 milhões de causas. Sua taxa de congestionamento chega, assim, perto de 80%.

 

A segunda instância estadual respira mais aliviada, se comparada com o tamanho do problema dos juízes de primeiro grau, mas também não tem o que comemorar. Foram 1,4 milhão de decisões; 1,5 milhão de casos novos e 1 milhão de recursos pendentes, o que resultou na taxa de congestionamento de 44,8% nos Tribunais de Justiça de todo o país. Na soma geral, o número de processos aguardando julgamento na Justiça Estadual chega a 36,8 milhões.

 

Na Justiça do Trabalho, o problema está na fase de execução do processo. A taxa de congestionamento da Justiça Trabalhista é de 49%. Mas se forem desmembradas as fases de conhecimento e de execução dos processos, percebe-se que a taxa de congestionamento na primeira cai para 35% e na segunda sobe para 65%. No final do ano passado o corregedor-geral da Justiça do Trabalho, ministro João Oreste Dalazen, já tinha avaliado que a execução é a atual área sensível da Justiça laboral, porque os juízes têm dificuldade em lidar com o sistema de penhora online.

Para garantir dados mais precisos que permitam identificar e planejar o futuro do Judiciário, o CNJ aprovou em dezembro do ano passado as Resoluções 46 e 49. A primeira cria uma linguagem única para a Justiça, estabelecendo as tabelas processuais unificadas do Poder Judiciário. Ela permite que os tribunais tenham relatórios gerenciais com informações técnicas e científicas padronizadas para toda a Justiça.

A Resolução 49 organiza grupos de trabalho para estatística e gestão estratégica nos órgãos do Judiciário, que alimentarão o Sistema de Estatística do Poder Judiciário, coordenado pelo CNJ. Cada tribunal deverá ter uma equipe interdisciplinar para este trabalho. A resolução sugere profissionais das áreas de economia, administração e ciência da informação, entre outros. A única especialidade obrigatória na equipe é um estatístico. Com estas e outras iniciativas, de acordo com o conselheiro Mairan, “cria-se o ambiente para permitir diagnósticos precisos e possibilitar o planejamento estratégico adequado ao Judiciário”.

 

TAXA DE CONGESTIONAMENTO DO JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL 

 

Sentenças

Casos

Taxa

Novos

Pendentes

2ª Instancia

438.739

378.458

729.127

60,39

1ª Instância

549.394

560.890

1.698.723

75,69

JEF

1.258.740

1.140.148

844.384

36,57

Total

2.246.873

2.079.496

3.272.234

41,98

JUSTIÇA ESTADUAL

 

Sentenças

Casos

Taxa

Novos

Pendentes

2ª Instancia

1.415.467

1.519.007

1.047.038

44,84

1ª Instância

8.036.319

10.438.729

29.591.773

79,92

JE

4.072.364

4.181.909

3.595.463

47,64

Total

13.524.150

16.139.645

34.234.274

73,15

JUSTIÇA DO TRABALHO

 

Sentenças

Casos

Taxa

Novos

Pendentes

2ª Instância

537.866

551.120

207.681

29,12

1ª Instância

2.768.965

2.953.084

2.786.315

51,76

Total

3.306.831

3.504.204

2.993.996

49,11

 TOTAL GERAL 

 

Sentenças

Casos

Taxa

Novos

Pendentes

 

19.077.854

21.723.345

40.500.504

69,34

TOTAL DE PROCESSOS AGUARDANDO JULGAMENTO 

43.145.995

Fonte: CNJ