27.1.12

O Brasil, a Copa e as olimpíadas


Dia desses li na imprensa que o Brasil “superou” a economia do Reino unido e, estupefato, li e ouvi o comentário ufanista de vários “especialistas” garantindo que a economia brasileira irá superar também a da França em breve. Fiquei me perguntando: Deus meu, em que mundo nós estamos?
O Brasil, que pretende abrigar a próxima Copa do mundo de futebol e as olimpíadas de 2016 é um País que vive com um pé enterrado na idade média. Mais que isso, boa parte do corpo nacional está coberto pelo atraso humano, econômico, político e institucional.
O Rio de janeiro, que pretende abrigar os jogos olímpicos, é não apenas uma cidade abandonada, mas, acima de tudo, um Estado putrefeito. Não há por aqui condições elementares de vida digna em sociedade, exceto, é claro, no trecho entre o centro da cidade e a Barra da Tijuca, mesmo assim com graves distorções.
Na Cidade do Rio de janeiro as pessoas são reféns do crime, seja ele praticado por traficantes, bicheiros ou governantes. Quem se afasta da orla pode tranquilamente perceber o caos que se abate sobre a cidade outrora maravilhosa. A baixa qualidade de vida é gritante, explode diante dos olhos de quem passa. Um desavisado que ande pela zona norte ou zona oeste tem a impressão de estar em outro mundo, na Bolívia, talvez, ou na Guatemala.
Na região metropolitana, a população vive ao Deus dará. Questões básicas como saneamento, habitação, educação, saúde e infra estrutura são completamente ignoradas por governantes que na maioria das vezes não tem sequer discernimento intelectual, ou, em certos casos, moral, para compreender os complexos problemas de uma sociedade. Tudo, na Baixada Fluminense, por exemplo, funciona por combustão espontânea. Planejamento e metas são palavras ignoradas por quem detém o poder nas cidades, tanto legislativo quanto executivo.   Se considerarmos o IDH da Baixada teremos a impressão de estar no Haiti, em Angola ou na Etiópia, com a diferença crucial de que nossa região metropolitana não foi assolada, pelo menos ainda, por nenhuma guerra ou guerrilha urbana.
Diante de tudo isso – e nem falamos do Piauí ou do Maranhão – como pode o Brasil ser comparado ao Reino unido sob qualquer aspecto? Com que instrumentos a imprensa sustenta tal delírio? Será que estamos, em plena democracia, readotando a mentalidade ufanista da última ditadura? Sinceramente, não me surpreenderia se Governo, base aliada e mídia governista adotassem como slogam o velho “Esse é um País que vai pra frente” ou até mesmo o nefasto  “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
O fato é que dinheiro em jogo, com perspectiva de Copa e olimpíada, vem em quantidades monumentais. O mesmo dinheiro que sempre foi negado para a infra estrutura nacional, para as demandas elementares da população, para os investimentos sociais, educacionais, culturais, etc, vão agora jorrar dos cofres públicos. Mais uma vez, porém, infelizmente, o dinheiro público não será utilizado para construir uma nação, mas apenas para uma baita maquiagem. Tá aí o Maracanã como prova disso: Uma reforma de um bilhão e o estádio nem será utilizado na Copa.
Sinceramente, não vejo motivos para, como o Conde Afonso Celso, dizer que “me ufano do meu País”. Seria melhor aprender com quem sabe e investir pesado em educação, cultura e qualidade de vida. Poderíamos fazer uma bela Copa no futuro... Bem alimentados, bem instruídos, saudáveis e orgulhosos de viver com dignidade. Mas por enquanto somos terceiro mundo. Nossos fúteis governantes cultivam essa chaga com paixão.

20.1.12

Duque de Caxias para iniciantes: um retrato 3X4 *

Como diria Jack, o estripador, vamos por partes… Para compreender (Duque de) Caxias é fundamental analisar sua formação, principalmente do ponto de vista sociológico e econômico, mesmo que rudimentarmente.
Nós não fomos colonizados, fomos ocupados e tudo se deu de forma anárquica e confusa, sem planejamento, sem objetivos definidos, sem distribuições de papeis, sem nada.
A Baixada Fluminense era um baita laranjal que foi sendo ocupado a partir do processo de evolução econômica. O Brasil saiu do mundo agrário para arriscar alguns passos na industrialização e com isso as necessidades da galera foram se modificando, se modernizando, metamorfoseando, sei lá… O fato é que fomos da figura A para a figura B.
O Rio era a capital do país e, por conta disso, o processo aqui se deu de forma acelerada. Alguém tinha que construir os prédios, praças, pontes, viadutos, panelas e caldeirões para a nova civilização que se formava, por isso veio gente de todo canto para o Rio, principalmente do Norte e do Nordeste. Por uma série de fatores inexplicáveis, acabamos nos tornando, felizmente, uma referência para o povo nordestino no Sudeste. Ataulfo Alves tinha um sítio em Xerém e o vendeu para Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Aquele pedaço de terra foi o embrião de todo um processo de herança cultural que nos influencia até hoje. Para muitos, tudo pode ter ocorrido por coincidência. Eu, particularmente, acho que foi uma benigna conspiração do universo.
Por outro lado, aquele povo que veio construir as coisas precisava de um lugar relativamente próximo à capital para morar. Como o Rio já era uma cidade bastante cara naquela época para o padrão dos imigrantes, boa parte do pessoal foi se assentando por aqui mesmo. A galera precisava de grandes espaços para viver com suas famílias vindas da terra natal, e isso a gente tinha de sobra.
Com o tempo, foi se formando uma incipiente estrutura de comércio e serviços. Coisa bem simples, o armarinho, a quitanda, a tendinha, depois as padarias, os açougues etc, agregando portugueses e outros imigrantes à nossa história.
A formação foi mais ou menos isso, meio na base da combustão espontânea, o que nos deu a riqueza da cultura nordestina e a angústia de uma economia filosoficamente baseada no lucro imediato e sem maiores preocupações sociais, filosóficas ou até mesmo estruturais.
Isso tudo evoluiu muito pouco com o passar dos anos e Caxias foi cada vez mais se tornando sombra da capital, a ponto de ser considerada uma mera cidade dormitório por muito tempo.
Na prática, mesmo com a vinda da indústria e com o crescimento da economia, a cidade nunca chegou a formar uma burguesia local, pois os comerciantes daqui nunca desenvolveram um espírito de grupo ou de apreço a coisas locais e os investidores da indústria, vindos de fora, não fincaram suas raízes em Caxias. A própria REDUC, apesar de gerar ganhos econômicos via royalties e impostos, não tem, a rigor, qualquer vínculo sociológico com o município. As pessoas trabalham aqui, ganham dinheiro aqui, mas gastam e investem em outras plagas, principalmente no Rio. Graças a isso ficamos sem escolas, sem instituições, sem cultura, sem noção de solidariedade, sem senso de preservação coletiva e sem mais um montão de sentimentos comuns aos povos de outras cidades. Somos a terra dos mandões. Quem ganha o tiroteio político exerce o poder durante algum tempo ao seu bel prazer, sem regras nem freios, e depois se manda. Vai embora. E o próximo mandão vem e faz o mesmo.
Isso tudo faz de Caxias uma cidade perneta. Tem gente talentosa em todas as vertentes, artistas fantásticos, profissionais capazes, etc, mas carece tanto de investidores quanto de público interessados na evolução da alma e do pensamento humano. É como uma pessoa que tem dinheiro para comprar o que precisa, mas não encontra vendedores do produto. Baixo interesse não gera mercado e a lógica atual é sempre a do mercado.
E aí, meu caro leitor pode estar se perguntando: tudo bem, isso todo mundo sabe, mas qual a solução? A solução é o poder, digo eu.
O poder em Caxias sempre foi exercido de forma isolada, sempre por um determinado grupo completamente dissociado da aspiração coletiva e isso se dá porque participação individual e coletiva é mínima. As pessoas tratam o voto como um ferro quente imposto à mão e que precisa ser jogado fora o mais rapidamente possível. Não há envolvimento. Quase ninguém vê um Vereador ou um Prefeito como representante seu. A participação política é sempre colocada na última prateleira de uma estante gigantesca e a consequência direta disso é a usurpação do poder, pois permite que pequenos grupos possam dividi-lo entre si.
Só para deixar claro, não me refiro a partidos, pois a coisa independe disso. Em todos os partidos há, certamente, ou pelo menos deveria haver, pessoas de bem. O partido, aliás, deveria ser simplesmente um agregador de correntes de pensamento, de filosofias, de concepções e de convicções, sejam estas à direita, à esquerda ou ao centro, se é que tudo isso ainda existe. Quando falo em participação me refiro ao verdadeiro conceito de cidadania. Saber o que alguém faz com o teu dinheiro e que regras serão criadas para o desenvolvimento da tua vida são coisas que deveriam interessar a todos, mas como não interessam, quem detem o poder e o dinheiro faz o que bem entende.
Se a gente reparar bem, percebe que esse desinteresse pela condução da vida na pólis reside tanto no individual quanto no coletivo. Pessoas inteligentíssimas detonam o conceito de participação política, e profissionais de todas as áreas abrem mão de conspirar a favor de seus mais legítimos interesses. Chega a ser engraçado perceber como pessoas e grupos convergem para a concentração do poder nas mãos de poucos e maus políticos. As pessoas de bem, infelizmente, recusam-se a construir possibilidades de evolução coletiva.
Curiosamente isso gera uma situação, além de desastrosa, confusa, pois, na cidade, não havendo exercício de poder nem da parte da burguesia, nem da parte do povo, como ocorre, de certa forma, em Caxias, o conflito de interesses é estéril, fazendo com que a estagnação seja a primeira dama do Município.
Resumindo a ópera, na falta de uma Geni de plantão, só o exercício consciente do poder pode vir a salvar nossa cidade. Todos os setores da sociedade Caxiense deveriam pensar nisso.
Quando o poder for exercido por trabalhadores, burgueses, artistas, pensadores, profissionais liberais, estudantes etc, todos convictos na defesa de seus interesses, seremos uma cidade de verdade. Dói menos e sai mais barato do que sustentar parasitas a pão de ló.
Tenho dito.


* Escrevi este texto originalmente para o Lurdinha , mas resolvi publicar aqui, passado um tempo, pra dividir com a galera por outros meios... :-)