27.5.09

Rio NewYork - Um conto de natal psicodélico.

Alfredo acordou sentindo um frio desgraçado. Em Janeiro, no Rio de janeiro, isso não deveria ser uma coisa normal.

-Tô com febre – pensou logo.

Levantou- se para catar um remédio e meio sem querer olhou pela janela. Estava nevando. Assustado, desceu correndo as escadas do prédio e foi olhar a rua. Tomou um baita susto. Gente encasacada andando pra lá e pra cá com o ar mais tranquilo do mundo, como se nada de absurdo estivesse acontecendo. Até Eurico, o pedinte oficial da rua, estava metido em uma daquelas capas compridas, de estilo novaiorkino.

           Quando se  deu conta estava quase congelado, as mãos chegavam a doer e nem sentia mais algumas partes do corpo. Correu pra casa para se agasalhar e tentar entender o que acontecia. Não lembrava de ter lido ou assistido em nenhum jornal no dia anterior notícias prevendo alguma frente fria. Ainda mais assim, acachapante.

Assim que entrou no AP pegou um edredom, enrolou-se nele e ligou para Tereza. A namorada talvez soubesse de alguma coisa, mas não estava em casa. Segundo a mãe, tinha ido ao Central Park dar uma voltinha.

- Central Park? Que porra é essa? – perguntou-se estupefato – Dormi em Botafogo e acordei em New York?

Ligou a televisão para ver se encontrava alguma explicação. A coisa piorou. O jornalista era conhecido, o mesmo âncora do jornal de TV de todos os dias, mas falava em inglês. Aparentemente falava de várias nevascas maltratando o Estado inteiro, inclusive uma brabíssima na Rodovia Washinton Luiz. Petrópolis já era. Estava completamente isolada. De vez em quando isso acontecia por conta das chuvas, mas por causa de nevasca, era a primeira vez.

Quando a ficha finalmente caiu – algo estranho de fato ocorria - ele se pegou tentando entender os detalhes da reportagem narrada em inglês. Não compreendia nada.

Ficou desesperado. Mudou de canal várias vezes, apertando os botões do controle remoto com força desproporcional. Inútil. Expremer os botões alucinadamente não resolvia o problema, todos os canais se comunicavam na língua de Shaekespeare.

Desligou a TV e foi pra rua na esperança de encontrar alguém conhecido. Vagou, vagou e nada. A cidade estava cheia de ninguém. Todas as caras eram desconhecidas.

Andou até a praia Botafogo e atravessou o túnel novo a pé. Copacabana parecia um pote de sorvete recém saído do freezer... Cobertinha de gelo.

Parou um sujeito que caminhava pela rua, agasalhado até a alma, e tentou estabelecer um diálogo:

-          Amigo, posso falar com você? Me dá uma informação, por favor?

-          Tá. Mas fala logo que eu vou pra assembléia... Respondeu o outro.

A tal assembléia, descobriu num papo rápido com o sujeito, era uma reunião que ocorreria no Tetro Vila Lobos. Imaginou ser para informar aos desavisados o que estava acontecendo. Nada disso. Chegando lá, era apenas uma reunião normal, tipo de condomínio, só que em nível macro. Moradores  e autoridades locais debatendo um cronograma de obras para a Zona Sul. Todos falando em inglês e completamente tranquilos em relação ao clima. Pareciam acostumados com a neve desde criancinha.

- Eu heim, coisa de maluco – falou sozinho antes de sair alucinado em busca de alguma explicação minimamente lógica.

Resolveu percorrer a cidade para averiguar a situação. Se estivesse nevando em Bangú, por exemplo, a coisa era grave. Raciocinou.

Fez sinal para um taxi, que não parou. Fez o mesmo para outro, e outro, e outro...e nenhum parava. Assoviou alto e um um deles parou imediatamente ao seu lado. Entrou rápido, se perguntando meio atônito se estaria dentro de algum filme americano. Mandou tocar para a Zona Oeste.

Devagarinho, escorregando na neve, o motorista seguia pelo aterro vazio e  estarrecedoramente branco. Nem a grama podia ser vista, mas logo depois da cabeceira da praia de Botafogo havia uma enorme placa onde se lia: Bem vindo ao Central Park. Sentado na parte de trás do carro, bateu com a cabeça várias vezes no banco da frente na  tentativa de compreender aquela maluquice toda.

Se a TV falava em inglês porque as placas estavam em português? Tudo era uma incógnita.

Atravessou o centro da cidade devagarinho. Tudo estava irreconhecivelmente vazio. Pouquíssimas pessoas arriscavam-se pelas alvas calçadas que se estendiam desde o fim do aterro até o mosteiro de São Bento, em linha reta, incluindo toda a 1° de março.

Em frente a praça XV pensou nos bares do Arco do Teles. Sentiu vontade de parar para tomar um chope e relaxar um pouco, mas descartou a idéia. “ O chope deve ter virado sorvete de cevada “, pensou calado.

Já na Avenida Brasil, reparou que as favelas haviam se transformado em prédios monumentais, daqueles que abrigam centenas de pessoas em um sem número de apartamentos. Uma infinidade de pequenos grupos - jovens, adultos, crianças e velhos de ambos os sexos, em sua imensa maioria negros, se reuniam em torno de barris metálicos em chamas. Provavelmente queimavam algum tipo de óleo nos toneis para gerar calor e se aquecer. A visão era caótica, mais pela neve do que pelo visual arqutetônico. Tudo estranheza e aflição. Olhando de longe tinha a impressão de que alguns corpos jaziam abandonados pelas calçadas. Mas talvez fosse só alguma ilusão de ótica. Um reflexo do caos que boiava em sua imaginação.

Na altura de Guadalupe o celular tocou. Deu graças a Deus, pois o motorista falava feito um condenado, em inglês, com forte sotaque indiano, sem que ele entende-se coisíssima alguma.

Era Tereza. Cobrava um compromisso romântico marcado no dia anterior e do qual ele não lembrava de ter assumido.

-          Onde você está? Perguntou a namorada visivelmente irritada.

-          Em Guadalupe, dentro de um taxi, a caminho de Bangú.

-          Você é maluco - retrucou a moça – Não sabe que essa área é perigosa pra você? Se os muçulmanos que moram aí decobrirem que você é judeu podem te atacar.

Alfredo pirou de vez.

-          Judeu? Eu nunca fui judeu. Nem religião eu tenho. Será que todo mundo ficou louco ao mesmo tempo, até o próprio tempo, só pra me sacanear? – Disse aos berros pelo telefone.

De repente o sinal do celular sumiu, ao mesmo tempo em que o carro parou. Máquinas da Prefeitura retiravam a neve que interrompia o trânsito. Já estavam na altura da Vila Kenedy e nada indicava que o sol fosse dar o ar de sua graça. Aproveitando a mudez temporária do motorista, Alfredo perguntou algo sobre estarem, de fato, no Rio de Janeiro. O Homem sorriu, tentando aparentar simpatia de uma forma visivelmente artificial e, inesperadamente, começou a cantar a música de Berry Wite em homenagem a cidade. Pior a emenda que o soneto.

Um pouco antes da entrada de Bangú lembrou dos presídios, dos muçulmanos citados por Tereza e da sua nova condição de judeu. Mandou seguir direto para Campo Grande.

Quando desceu viaduto do Mendanha quase infartou. Viu prédios e mais prédios nas laterais da estrada, construções que nunca estiveram ali antes, e pessoas aparentemente de etinia árabe caminhando de cara amarrada, driblando o gelo das calçadas. Vários edifícios ostentavam na entrada o símbolo da meia lua, de acordo com a tradição muçulmana.

 Pediu ao motorista para acelerar, e este, simplesmente riu enquanto o automóvel seguia se arrastando naquele universo glacial.

O medo de parar o autómóvel e descer do carro falou mais alto. Seguiu em frente, passando sobre viaduto, direto pela estrada do Monteiro, atravessando o Mato Alto e, literalmente, contornou a cidade, voltando à Zona sul, pela Barra da Tijuca, até a Voluntários da Pátria, novamente em Botafogo.

Desceu em frente ao seu prédio e pagou a corrida. Só então descobriu que o dinheiro em seu bolso era dolar, para a alegria do taxista e sua completa estupefação.

Estava com fome, cansado e confuso. Precisava pensar, compreender a situação. Coisa que tentava fazer, sem sucesso, desde que abrira os olhos pela manhã.

Correu para a Adega da Velha, bar tradicional de comida nordestida onde costumava parar sempre, pertinho de sua casa. Mas lá já não havia mais carne de sol, nem aipim, nem manteiga de garrafa. A antiga adega havia se transformado em um bar tipicamente americano, com cerveja quente, em caneca, e amendoim em cima do balcão. Os caras ao redor falavam de bolsa de valores e corridas de demolição, enquanto as mulheres, peitudas e sem bunda, se limitavam a sorrir de vez em quando e dançavam na frente de uma enorme caixa de música. Quase entrou em pânico, mas manteve o controle.

Sozinho, calado, escondido no canto do balcão, bebeu feito um animal. Depois, já de madrugada, fugiu, disposto a morrer em casa.

Acordou no dia seguinte com uma ressaca que mais parecia maremoto. Abriu o olho e imediatamente lembrou de tudo. Apesar da dor de cabeça, sorriu, achando que, apesar de ter vivido um pesadelo kafkaniano, finalmente acordara e tudo voltaria ao normal.

Sentiu os braços de Tereza se enrroscando nele, por trás, e experimentou uma sensação de conforto e segurança. Estava acordando, finalmente. Pensou enquanto a moça lhe susurrava:

- Levanta amor, O Presidente Barak Obama vem ao Rio agora de manhã e eu quero assistir à palestra dele.

2 comentários:

Anônimo disse...

Sabe que a gente vai lendo e ficando TÃO angustiada quanto ele né?

Como tu mesmo escreveu 'Estava com fome, cansado e confuso. Precisava pensar, compreender a situação.'

A gente fica meio assim também ao final do texto......rs

Sabe que isso rendi a um ÓTIMO curta?

Bom....eu vou lá comer algo e volto pra reler o texto na tentativa de ver se entendi TUDO que tinha pra entender....
Uma aventura dessas da mesmo FOME na gente.
E em vários sentidos da palavra.

bitocas

Vicente Portella disse...

Valeu Atrê,

Bela idéia a do curta, pode mesmo dar samba.
Quanto a fome, concordo, precisamos saciar todas elas.
Aliás, sempre que leio teu blog me da uma fome danada. Mas não é de comida não...rsrs

Beijos, meu anjo.