24.8.09

Ouçamos Getúlio


Por Mauro Santayana - da Agência Carta Maior

A evocação da morte de Vargas é uma forma de ouvi-lo, retornar aos anos 50, tão marcados pelos conflitos políticos, mas, ao mesmo tempo, tão decisivos para o desenvolvimento do País. Hoje é muito fácil dizer que a ditadura militar foi modernizadora, mas os militares encontraram um país preparado para saltos ainda maiores. Encontraram grandes empresas hidrelétricas em funcionamento, uma empresa petrolífera em expansão - a Petrobrás - malha rodoviária importante, unindo todas as grandes regiões geográficas, razoável rede ferroviária que, apesar dos poucos investimentos durante o governo Juscelino, funcionava bem.
Hoje está muito claro que Vargas, com o seu suicídio, adiou o golpe militar pró-americano por dez anos. A Carta de Vargas é a mais clara denúncia contra o imperialismo (porque é disso que se trata, apesar do envelhecimento da palavra) norte-americano que conhecemos. Hoje, ninguém duvida de que todo o cerco contra Getúlio, em 1953 e em 1954, foi orquestrado e dirigido pelos serviços norte-americanos. Os dez anos ganhos - com todos os percalços - nos permitiram consolidar as grandes indústrias de base, construir Brasília, dar continuidade ao processo democrático, com a passagem tranqüila do poder a Jânio Quadros (que não soube honrá-lo) e - mesmo nos limites de uma guerra civil, e do expediente constitucional da adoção do parlamentarismo - assegurar a posse de João Goulart, em 1961.
Desde o início de nossa vida independente os interesses anglo-saxões buscaram tolher o desenvolvimento econômico do Brasil. Sabiam, ingleses e norte-americanos, que o crescimento autônomo da economia brasileira significaria a soberania política nacional. Ora, uma grande nação na América do Sul contestaria, como é natural na História, a predominância continental dos Estados Unidos. Para as grandes nações hegemônicas não basta competir com suas vantagens acumuladas: é necessário impedir que os outros cresçam. Por isso, o desenvolvimento brasileiro sempre foi dosado pelos ianques: era preciso produção suficiente para gerar recursos a fim de os gastar na importação de bens e serviços dos Estados Unidos - mas nada além disso.
Os norte-americanos precisavam de um mercado comprador, não de um mercado competidor.
Vargas nunca rejeitou a presença de capitais estrangeiros no Brasil. Ao contrário, aproveitando-se das circunstâncias da guerra, valeu-se de capital norte-americano para a construção de Volta Redonda e a criação da Vale do Rio Doce. O que Vargas não queria, e por isso foi levado ao suicídio, é que se misturassem as coisas. Em primeiro lugar, não cabe ao Estado financiar estrangeiros. Em segundo lugar, os investidores não podem, em nome de seu capital, exercer qualquer tipo de influência e poder político em nosso país. Todos os grandes países do mundo foram e são nacionalistas - e o Brasil não podia ser uma exceção, a menos que se dispusesse a retornar à condição colonial.
Empresas estrangeiras atuaram durante o governo Vargas, mediante concessões, algumas antigas, principalmente no setor de energia elétrica e telefonia - mas não é segredo que o Presidente, ao criar a Eletrobrás, queria que o país se livrasse dessa dependência. As concessionárias não reinvestiam seus lucros na geração e distribuição de mais energia, o petróleo era todo ele importado, e isso atava o nosso desenvolvimento. De qualquer forma, Getúlio e Juscelino, bem como, antes, Artur Bernardes e Epitácio, sempre mantiveram essas empresas dentro de seus limites. Não havia, nos contratos de concessão daquele tempo cláusulas que garantissem dividendos mínimos, nem liberdade tarifária - e muito menos indenizações por motivos de força maior, como os desastres climáticos. A ética do capitalismo é a do risco, não a da segurança garantida pelos compradores e consumidores.
A evocação de Vargas e do cerco a que foi submetido é importante para impedir que avance o projeto de parceria público-privada que foi enviado pelo governo federal.

Nenhum comentário: