17.5.10

A criação da leitura

No princípio eram as vogais. Pareciam um bando de arainhas metamórficas  e foi difícil compreender que aqueles rabiscos esquisitos eram dotados de algum significado.
Faça-se a luz, disse alguém em um determinado momento, e então surgiram as consoantes.
A mim pareceu em um primeiro instante que aquelas eram as irmãs mais velhas das vogais. Que ao pegarem-nas pelas mãos emprestava-lhes sentido. Era como se as consoantes levassem as vogais para a escola. O B levando pela mão o A, o E, o I, o O e o U, formando BA, BE, BI, BO , BU, que, à rigor, ainda não dizia nada com exatidão, mas já se afigurava mais interessante.
De repente, não mais que de repente, os membros daquela imensa família começaram a se misturar indiscriminadamente, de forma até meio pecaminosa, incestuosa, e passaram a se reproduzir em frases, períodos, parágrafos, páginas, livros e enciclopédias.
No começo foi uma coisa espantosa, mas em algum lugar entre a frase e a página ou entre a página e o livro, eu acabei me afeiçoando a todos e entrando para a família. 

OBS: A professora Adriana Albuquerque nos pediu que escrevesse um pequeno texto descrevendo nossas primeiras experiências e sensações com leitura. Ei-lo.

2 comentários:

Allegro Moderato disse...

Genial !!!!

Minha sensação era de sabor: parecia que os livros, cadernos e lapis tinham gosto.

Anônimo disse...

Isso tudo realmente é memória de infância ou é invenção do presente?

Bem, eu não tenho nenhuma memória dessa época, por isso pergunto ... Admiro quem a tenha (e invejo, no bom sentido, claro)

de qualquer forma, é uma ótima metáfora ...

bj