21.9.09

Tem gente com fome! Tem gente com fome!

Meu amigo Leonardo Oliveira me escreveu hoje perguntando se eu poderia escrever algo sobre Solano Trindade, um dos maiores poetas Brasileiros de todos os tempos. Claro que posso.
Solano foi para mim uma luz de brilho intenso não só pela sua poderosa e bela poesia, mas também pelo seu comportamento, pelo seu jeito de ser, de lutar e acreditar piamente nessa luta.
Lembro que sempre lamentava com Barbosa Leite o fato de não ter conhecido Solano pessoalmente, como Barbosa e outros amigos conheceram.
Naquele meados de anos 80, com a País ainda saindo de uma ditadura tenebrosa, era o exemplo poético e de comportamento de Solano que nos conduzia e nos orgulhava terrivelmente o fato de um poeta daquela dimensão ter escolhido nossa cidade para se estabelecer e cultivar suas lutas e sua arte.
Ainda hoje tenho Solano em um panteão particular, pois foi ele quem me mostrou que a arte vai muito além dos palcos instalados na áreas mais privilegiadas do País e que, acima de tudo, a arte está na veia, esteja a gente aonde estiver.
Enfim, posso dizer com orgulho que muita coisa de Solano chegou a mim de uma forma mais contundente do que aquela exposta em seus livros, pois chegou em forma de convivência com algumas pessoas que conheceram de perto e trabalharam com o grande poeta.
Certamente Solano os impregnou com vida e eles, por sua vez, impregnaram a mim.

Reproduzo aqui um texto sobre Solano escrito por Hernani Francisco da Silva em homenagem ao centenário do Poeta.

“Um negro que o protestantismo brasileiro esqueceu”

Nascido em 24 de julho de 1908, em Recife, filho de Manoel Abílio Trindade, sapateiro, e Merenciana de Jesus, doceira. O negro presbiteriano Francisco Solano Trindade, poeta, cineasta, pintor, homem de teatro e um dos maiores animadores culturais brasileiros do seu tempo, foi para vários críticos, o criador da poesia "assumidamente negra" no Brasil. As comemorações pelo centenário de Solano Trindade concentram-se nas três cidades em que ele viveu mais tempo. No Recife, onde fundou, em 1936, o Centro Cultural Afro-Brasileiro e a Frente Negra Pernambucana. Em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde sofreu perseguições, prisões e apreensão de livros durante o governo Dutra. E em Embu, município de São Paulo, que ele ajudou a batizar como Embu das Artes, onde fica a sede do Teatro Popular Solano Trindade comandado por sua filha e herdeira artística Raquel Trindade.

Solano Trindade foi um dos fundadores do que mais tarde se conheceria como movimento negro. Reconhecia a necessidade do negro brasileiro assumir orgulhosamente sua identidade e lutar contra a discriminação, achava que isso deveria ser feito valorizando a cultura popular brasileira de matriz negra, sem excluir os brancos. Por isso fundou, o Teatro Popular Brasileiro, o sucesso do Teatro Popular foi tão grande que era convocado a realizar espetáculos especiais para todas as companhias estrangeiras que passavam por aqui. Solano desenvolveu também carreira de ator, participou de peças teatrais e vários filmes.

No final da década de 1920, Solano Trindade torna-se protestante, onde conheceu Maria Margarida Trindade, que era presbiteriana, do seu casamento com Maria Margarida nasceram seis filhos, dois mortos prematuramente e um assassinado pela ditadura militar após o golpe de 1964. Solano teve uma ação importante na igreja, chegou a ser diácono da Igreja Presbiteriana, fazia poemas e citava trechos bíblicos com facilidade, voltado principalmente para o Gólgota e os apóstolos Pedro, Tiago e João evangelista. Foi ali que ele começou o legado da sua vida, seus poemas foram publicados na revista protestante do Colégio XV de Novembro, de Garanhuns, e em jornais do Recife. Só depois dessa fase começaria a nascer a sua poesia negra.

Decepcionado com o distanciamento do protestantismo com as questões sociais, incluindo a discriminação contra os negros, ele deixa a igreja, justificando sua saída com um versículo da própria Bíblia: "Se não amas a teu irmão, a quem vês, como podes amar a Deus, a quem não vês?"

Assim como Solano Trindade passaram também pelo protestantismo João Cândido, o marinheiro negro, membro da Igreja Metodista de São João de Meriti, que liderou a Revolta da Chibata um importante movimento social ocorrido, no início do século XX, na cidade do Rio de Janeiro. E também o líder camponês João Pedro Teixeira, negro, crente da Igreja Evangélica Presbiteriana, fundador da Liga Camponesa de Sapé na Paraíba. Retratado no filme “Cabra Marcado para Morrer” de Eduardo Coutinho, um marco qualitativo da cinematografia brasileira. Estes e muitos outros, negros e negras passaram por nossas igrejas e deixaram um legado para a humanidade.

Em 2008, ano do centenário do nascimento do "poeta negro" o "poeta do povo", é hora da Igreja Protestante Brasileira resgatar sua memória, dando o reconhecimento a Solano Trindade e muitos outros negros e negras, que contribuíram e contribui para o reino de Deus aqui na terra.

Centenário do Nascimento de Solano Trindade - Por Hernani Francisco da Silva

Aqui link para o site "negros e negras cristãos" , que publicou essa homenagem

Um comentário:

Anônimo disse...

Valeu Vicente!! Grande Vicente!! Leonardo Oliveira!!