10.2.09

Da violência faz-se... grana

Assisti durante a última semana uma carreta de matérias sobre violência. Aliás, aplica-se esta palavra a tudo. Uma falta mais grave no futebol, é violência; Uma rajada de vento mais forte, é violência. E como não poderia deixar de ser, o crime é também tratado pela mídia de forma generalizada como violência. Na verdade crime é crime e violência é violência, coisas distintas, portanto. Embora relacionadas em alguns casos.

Nas décadas de 60 e 70, por exemplo, quando o crime ainda não era gerador de tanto pânico na sociedade brasileira, as emissoras de TV, principalmente a Globo, entulhavam nossas retinas com todo o tipo de violência possível. Tudo enlatado, como as pessoas chamavam os filmes americanos da época. Charles Bronson era o herói das telas e de um modo geral quanto mais sanguinolento mais o filme era badalado. As drogas eram restritas à quem tinha poder aquisitivo, exceto talvez a maconha. Não havia naquela época nem a febre do consumo e muito menos as guerras atuais pelos lucros do tráfico. Talvez até por conta disso a Globo em seu famoso Jornal Nacional dava a cotação das drogas no mercado. Pelo menos duas vezes por semana nosso bom amigo Cid Moreira comunicava ao distinto público que tantos quilos de cocaína haviam sido apreendidos em algum canto no valor de tanto. Bastava fazer uma continha de dividir para saber quanto a cocaína valia no mercado. A estratégia era genial. Apologia de comportamento violento de um lado e introdução de técnicas mercadológicas das drogas do outro. O resultado é isso tudo que temos aí hoje.

Bem, atualizando a questão, podemos dizer que vivemos hoje o pior momento da sociedade brasileira em todos os tempos. Com o mercado de drogas consolidado, é a população de um modo geral quem paga as contas e todos, com exceção do povaréu, é claro, saem lucrando.

Escrevo isso tudo porque acho morbidamente interessante a cara de pau da nossa querida mídia a cada matéria veiculada sobre “violência”. As mesma emissoras que ganharam rios de dinheiro e nacos fabulosos de poder atendendo a interesses inconfessáveis posam agora de indignadas. Quem olha de fora tem a nítida impressão de que eles nada tem à ver com isso.

Qualquer pessoa que leve minimamente a sério as causas e conseqüências do crime ligado às drogas sabe que as figuras apresentadas a nós como “traficantes” pelos noticiários são meros gerentes locais. Ou seja: para que Fernandinho Beira-mar, por exemplo, ganhe 1 milhão com a venda de suas drogas, alguém em Brasília ou em qualquer outra grande cidade do mundo, embolsa 100 milhões.

Resumindo, a droga é o negócio do século, pois além de render uma fábula em grana viva ainda mantém a população escravizada pelo pânico.

Em 2000, acho, ou 2002 escrevi um artigo na revista Expressão, uma publicação alternativa do Rio de Janeiro que acabou não se firmando, abordando a questão da conivência nacional com a entrada de armas e drogas pelas fronteiras brasileiras. É, como diria Nelson Rodrigues, o óbvio ululante. Se não existem plantações de maconha e cocaína, nem fábricas de armas nas grandes cidades brasileiras, como estas coisas chegam aos nossos grotões? Pelas fronteiras abertas, é claro. Se considerarmos que a constituição brasileira determina que o tráfico de drogas é um crime que deve ser combatido pela Polícia Federal, como se explica o uso da PM e da PC para enxugar o gelo? Só a conivência e a hipocrisia explicam isso. Os poderosos, inclusive, aproveitam a pantomima e, enquanto fingem combater o tão lucrativo tráfico de drogas, aproveitam para fazer uma espécie de assepsia social, exterminando pobres nas favelas.

De certa forma, a bem da verdade, todos nós somos coniventes. Afinal de contas todas as autoridades são eleitas pela população. Quando o Governador do Rio de Janeiro vai para a TV afirmar que vai continuar mandando a polícia exterminar pobres nas favelas, está mandando um recado bem claro. É como se gritasse a plenos pulmões: povo só serve pra votar na gente e pagar a conta.

No fundo, no fundo, creio que eles, os governantes, mandam massacrar pobres nos morros por considerar que há povo em excesso. Sei lá, acho que eles não precisam de tantos votos assim. A mídia já os legitima, voto é só um detalhe. Algo que se troca por muleta e dentadura no circo das eleições.

Lembrando Caetano, é a força da grana que ergue e destrói coisas belas. Mas utimamente tem destruído muito mais que erguido.

2 comentários:

"Atre" disse...

Difícil isso né?

Mas me lembra muito coisas que vc todo dia...a dualidade de morder e assoprar.

Já reparou nas revistas populares em banca?
Toda semana tem uma DIETA nova...e logo abaixo uma receita NADA light.

Reclamamos que o outro não nos escuta,mas se ele pára para nos ouvir, não sabemos o que dizer.

reclamos de FALTA de sorte na vida, mas se ela nos dá uma oportunidade nos damos conta de que a desejávamos, mas que não nos preparamos pra ela.

Tive uma professora de história que dizia que a pobreza é um mal rentável aos governos, assim como a violência.

Na verdade nem é tão difícil assim da gente perceber, é só ver o mal que "drogas licitas" causam, mas que mesmo assim continuam sendo vendidas legalmente porque pagam impostos.

Às vezes vc não tem mesmo a impressão que a 'violência' é quase que incentivada a acontecer?

Violência causada por GENTE RUIM e que é realizada 'de graça' são como a que aconteceu com aquele casal numa praia em Curitiba.
Porque matar um rapaz, atirar numa garota e voltar horas depois, no escuro no meio da mata para estuprá-la aí sim É MALDADE.

Vender drogas, armas, assaltar banco ou ônibus é antes de qualquer coisa CAPITALISMO.

enfim...

chega pra lá na rede de novo e me dá um cantinho Vicente.

Bjo

Vicente Portella disse...

Oi Atrê,

Você me deixou feliz por dois motivos. Primeiro por fazer o comentário em si, pois achei que ninguém tinha gostado do texto ( alguns amigos comentaram em e-mails, mas comentário no blog que é bom, nada....rsrs); segundo, por estabelecer uma visão do processo com a qual eu concordo. O crime comum, caracterizado pela maldade de alguns seres humanos despreparados para a vida, acontece em qualquer sociedade, mas essa indústria do crime não é espontânea. É fabricada. E gera lucros terríveis pra uma meia dúzia de pessoas que detém o poder até mesmo sobre os nossos governantes.
Isso é lamentável, mas infelizmente é verdade.
Acredito no entanto que cada vez que a gente expõe essa coisa terrível temos a chance de ganhar adeptos para algum tipo de reação.
Pode até ser que seja só um sonho meu, mas acredito que um dia teremos gente de bem no poder. Gente que não permita que esse "negócio" seja mais importante do que a vida humana.
Quem viver verá.

Beijos, anjo meu. E um belíssimo fim de semana.