17.9.07

FATO CONSUMADO: Djavan despetala a flor-de-lis e toca fogo no capim do Cerrado

Na segunda metade da década de 1970, com as gravações de Fato Consumado (75), Flor-de-Lis (76) e Cerrado (78), Djavan, um jovem negro da periferia de Maceió, AL, balançava as estruturas da música popular brasileira, trazendo para o seio da “flor amorosa” mais uma das muitas possibilidades do samba.

Era a sincopação dos anos 40 levada a extremos que nem a bossa-nova ousara. Era o samba entortado e ainda mais balançado que o do “balanço zona sul” de Orlann Divo e seu chaveiro – que, aliás, está de volta. Era, enfim, o samba feito para dançar. E os frutos dessa safra bendita são, até hoje, mais de 30 anos passados, presença obrigatória no repertório de qualquer bom baile (e não arrasta-pé) que se preze.

Mas esse samba radicalmente sincopado de Djavan parece que só agradava, pelo menos no Rio, àquela parcela da população que, por razões econômicas, de moradia e de oportunidades, permanece afastada do chamado “circuito cultural”, que vai dos aeroportos aos vernissages; dos teatros às livrarias; e que, da zona sul pra cá, chega no máximo até a Candelária. Enxergando, certamente, poucas possibilidades de mercado junto a esse público de “duros”, a indústria fonográfica transnacional, pelo que supomos, parece ter convencido Djavan a jogar seu irresistível sincopado fora para produzir uma obra mais alinhada com o pop-rock hoje hegemonicamente vigente em escala planetária. Aí, o Djavan internacionalizado chegou até Stevie Wonder, Carmen McRae, Al Jarreau e Manhattan Transfer. No que fez muito bem, também achamos. Só que nós aí, literalmente, perdemos o rebolado.

Agora, lançando um novo disco (ainda não ouvimos, mas temos certeza de que é bom), Djavan volta ao samba, saúda animadoramente a Cidade Maravilhosa numa letra de levantamento da auto-estima dos cariocas e, em entrevista a O Globo (09.09.07), dispara contra os detratores de sua estética:

“– A questão é que não admitem que um nordestino, negro, filho de uma lavadeira, nascido num gueto de Maceió, no segundo estado mais pobre do Brasil, possa ter um olhar amplo e pessoal das coisas.”

E arremata Djavan, do alto de suas já venerandas tranças, jogando na lata do entrevistador aquela pergunta que todos nós fazemos há muito tempo:

“ – Você já percebeu que não existem críticos negros nas redações? Seja de música, literatura, cinema, teatro... O Brasil avançou pouco nesse campo.; um exemplo como o de Joaquim Barbosa (...) é exceção entre nós”.

A afirmação e a pergunta de Djavan – aliás, lançadas no momento em que algumas colunas de amenidades tentam desqualificar o ministro Barbosa, mostrando-o como um “famoso” deslumbrado – ficam no ar. E suas respectivas respostas podem ser a chave para entendermos porque se procura também desqualificar todo samba que busca se renovar a partir da reprodução de suas próprias células e não beijando a mão do rap, do funk, da moda hip-hop enfim.

Através do que disse Djavan, podemos pelos menos intuir o porquê de o músico negro brasileiro, quando pensa e se posiciona criticamente, ser sempre tornado invisível pela mídia dominante. E podemos finalmente ter uma idéia, nesse caso específico, do quanto é importante termos, nas faculdades de Comunicação e correlatas, tantos afro-descendentes quanto aqueles que, nas redações, nos estúdios, nos espaços onde hoje se produz, comercializa e avalia a verdadeira Cultura Nacional, servem cafezinho, fazem faxina, levam mensagens, carregam equipamentos e fazem segurança.


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