15.12.07

Nunca mais

O sol despenca
Com um ar calamitoso
No horizonte arbitrário
Da minha caverna escura

A noite chega
e sinto falta de mim

Lembro de Cecília
Pois eu também não tinha este sorriso feio

As cicatrizes se espalham pelo meu rosto
Mas nem lembro mais dos cortes
das feridas
do sangue, das tantas dores
Nem mesmo dos arredores
de onde perdi a vida

Já não me lembro mais dos parques
Nem jardins da Prefeitura
Nem mesmo, sequer, me ocorre
Em que vaga criatura
Abandonei os temores
Que me mantinham pregados
Ás coisas todas do mundo

Já não sei mais em que corpos maliciosos
extravasei meus amores,
E já nem sei se eram mesmo amores
Ou vícios da humanidade

Lembro vagamente dos meus sorrisos
espalhados pela cidade
Em cada porta havia
ao menos um sorriso meu

Amava em estardalhaço, eu sei
Berrando gozos fantásticos
Mas isso tudo se perdeu

A noite que chega agora
não me traz melancolia
E nem mesmo os fantasmas dos amores mais antigos

Tudo desaba
Mas é como
se nem tivesse existido
Um tempo qualquer
Anterior a esta noite
Em que o corvo boquirroto
Grita em meus ouvidos
A velha e triste sentença:

Ele me diz “Nunca mais”

Será mera coincidência
Ou o corvo da consciência
- Demônio ou ave preta –
Grita a todos os poetas
Este verso: nunca mais?

Volto ao vinho
para encarar
as tramas da noite eterna
que desce pelo horizonte
escuro da minha caverna

Fecho todas as janelas
Ignorando os umbrais

Conhecendo minhas mazelas
não preciso mais de um corvo
pra me dizer:
Nunca mais.


Vicente Portella

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