30.10.10

Vamos errar de novo? Pergunta Ferreira Gullar.




FAZ MUITOS ANOS já que não pertenço a nenhum partido político, muito embora me preocupe todo o tempo com os problemas do país e, na medida do possível, procure contribuir para o entendimento do que ocorre. Em função disso, formulo opiniões sobre os políticos e os partidos, buscando sempre examinar os fatos com objetividade.Minha história com o PT é indicativa desse esforço por ver as coisas objetivamente. Na época em que se discutia o nascimento desse novo partido, alguns companheiros do Partido Comunista opunham-se drasticamente à sua criação, enquanto eu argumentava a favor, por considerar positivo um novo partido de trabalhadores. Alegava eu que, se nós, comunas, não havíamos conseguido ganhar a adesão da classe operária, devíamos apoiar o novo partido que pretendia fazê-lo e, quem sabe, o conseguiria. 

Lembro-me do entusiasmo de Mário Pedrosa por Lula, em quem via o renascer da luta proletária, paixão de sua juventude. Durante a campanha pela Frente Ampla, numa reunião no Teatro Casa Grande, pela primeira vez pude ver e ouvir Lula discursar.

Não gostei muito do tom raivoso do seu discurso e, especialmente, por ter acusado “essa gente de Ipanema” de dar força à ditadura militar, quando os organizadores daquela manifestação -como grande parte da intelectualidade que lutava contra o regime militar- ou moravam em Ipanema ou frequentavam sua praia e seus bares. Pouco depois, o torneiro mecânico do ABC passou a namorar uma jovem senhora da alta burguesia carioca.

Não foi isso, porém, que me fez mudar de opinião sobre o PT, mas o que veio depois: negar-se a assinar a Constituição de 1988, opor-se ferozmente a todos os governos que se seguiram ao fim da ditadura -o de Sarney, o de Collor, o de Itamar, o de FHC. Os poucos petistas que votaram pela eleição de Tancredo foram punidos. Erundina, por ter aceito o convite de Itamar para integrar seu ministério, foi expulsa.

Durante o governo FHC, a coisa se tornou ainda pior: Lula denunciou o Plano Real como uma mera jogada eleitoreira e orientou seu partido para votar contra todas as propostas que introduziam importantes mudanças na vida do país. Os petistas votaram contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e, ao perderem no Congresso, entraram com uma ação no Supremo a fim de anulá-la. As privatizações foram satanizadas, inclusive a da Telefônica, graças à qual hoje todo cidadão brasileiro possui telefone. E tudo isso em nome de um esquerdismo vazio e ultrapassado, já que programa de governo o PT nunca teve.

Ao chegar à presidência da República, Lula adotou os programas contra os quais batalhara anos a fio. Não obstante, para espanto meu e de muita gente, conquistou enorme popularidade e, agora, ameaça eleger para governar o país uma senhora, até bem pouco desconhecida de todos, que nada realizou ao longo de sua obscura carreira política.

No polo oposto da disputa está José Serra, homem público, de todos conhecido por seu desempenho ao longo das décadas e por capacidade realizadora comprovada. Enquanto ele apresenta ao eleitor uma ampla lista de re- alizações indiscutivelmente importantes, no plano da educação, da saúde, da ampliação dos direitos do trabalhador e da cidadania, Dilma nada tem a mostrar, uma vez que sua candidatura é tão simplesmente uma invenção do presidente Lula, que a tirou da cartola, como ilusionista de circo que sabe muito bem enganar a plateia.

A possibilidade da eleição dela é bastante preocupante, porque seria a vitória da demagogia e da farsa sobre a competência e a dedicação à coisa pública. Foi Serra quem introduziu no Brasil o medicamento genérico; tornou amplo e efetivo o tratamento das pessoas contaminadas pelo vírus da Aids, o que lhe valeu o reconhecimento internacional. Suas realizações, como prefeito e governador, são provas de indiscutível competência. E Dilma, o que a habilita a exercer a Presidência da República? Nada, a não ser a palavra de Lula, que, por razões óbvias, não merece crédito.

O povo nem sempre acerta. Por duas vezes, o Brasil elegeu presidentes surgidos do nada -Jânio e Collor. O resultado foi desastroso. Acha que vale a pena correr de novo esse risco?

Ferreira Gullar

28.10.10

Ilmo Sr. Chico Buarque



Amigo Chico 
Muito te admiro 
O meu chapéu te tiro 
Muito humildemente 

Todo o meu povo 
agradece a blusa 
do PT  e recusa 
elegantemente 

Meu caro amigo 
Um voto sem motivo 
É algo explosivo 
Não me queira mal 

Se apostarmos 
Nas urnas erradas 
O Brasil se acaba 
Mergulha no caos 

Amigo velho 
Fugi do conselho 
Troquei teu vermelho 
Por um tom azul 

Mas quis o verde 
Que te quero verde 
Junto com o amarelo 
E o cruzeiro do sul 

Pintei um sol naquela tua estrela, 
não quero mais vê-la, 
Pus um branco sutil 

Virei-lhe o listrado do peito 
E nasceu desse jeito 
Uma bandeira do Brasil 



Com um abraço do seu maior admirador, Vicente Portella, que vota Serra 45

26.10.10

O Brasil do futuro – Serra Presidente

Dizer que Lula manteve as diretrizes econômicas de FHC seria chover no molhado. Até o atual Presidente do Banco Central , Henrique Meireles, é, como se sabe, um quadro do PSDB, eleito Deputado Federal em Goiás no mesmo ano em que Lula se elegeu Presidente. Sob o ponto de vista social a estrela do Governo Lula é o Bolsa família, programa que fundiu em um só os vários programas assistenciais de FHC, bolsa isso, bolsa aquilo, etc. Também nesta área, portanto, Lula seguiu os passos de FHC. 
Politicamente, a coisa não foi muito diferente. Lula e o PT se opuseram à todas as privatizações ocorridas no País, mas, curiosamente, nenhuma delas foi revertida. Muito pelo contrário. Lula até superou FHC em alguns casos, tanto na privatização da extração de petróleo, abrindo a Petrobras para empresas do mundo todo, como nas estradas, onde as privatizações ocorreram sem que as empresas favorecidas desembolsassem sequer um centavo. Lula doou as estradas alegando que os pedágios seriam menores e os investimentos maiores. Não foi isso o que aconteceu. 
Em termos de política externa, no entanto, Lula não seguiu FHC. Pelo contrário, fez exatamente o oposto. Nesta área pode-se dizer, com segurança, que Lula e PT adotaram uma plataforma absolutamente própria, original e até surreal, pois seu governo redirecionou todas as parcerias estratégicas do brasil. Atualmente, ao invés de termos como parceiros primordiais as grandes democracias do primeiro mundo, encravamos nossa âncora solidamente nos governos “revolucionários” do Irã, da Venezuela e em mais um amontoado de países africanos, nos quais Lula fez questão de abrir representações diplomáticas. Somos hoje aliados preferenciais de Ahmadinejad, de Chaves e de muitos dos ditadores que pululam em minúsculas e sangrentas republiquetas. Somos parceiros do apedrejamento de mulheres adúlteras, da bomba nuclear e da intervenção do Estado na vida do cidadão e na imprensa. Tornamo-nos amigos inseparáveis daqueles que defendem, oficialmente, o aparelhamento das instituições. 
Lula teve seus méritos, é verdade. Mas seus deméritos são infinitamente maiores. Essa outra face do Governo Lula, a que não seguiu os passos nem de FHC, nem da democracia, é algo tenebroso, catastrófico. Para garantir maioria no congresso, 20 anos de discurso pautado na ética não impediram Lula e PT de instituir o mensalão, instrumento de compra de parlamentares liderado por José Dirceu. Nunca na história desse País, como diz Lula, a corrupção, o roubo, a pilhagem do patrimônio público e a degenerescência política ocuparam um espaço tão portentoso na estrutura de um Governo quanto neste período pós mensalão. O Estado brasileiro transformou-se em uma versão piorada da famosa “Casa da mãe Joana” e os valores da sociedades foram estuprados em praça pública. 
Onde há dinheiro e poder há corrupção, dizem, mas no Governo Lula ela deixou de ser exceção para se tornar regra, uma coisa corriqueira jamais combatida nem pelo chefe do executivo. Ao contrário disso, Lula e PT, sempre que questionados, ou não sabiam de nada ou justificavam a ação danosa de seus parceiros apontando o dedo, criminosamente, contra adversários e os acusando de atos parecidos que, a bem da verdade, nunca ocorreram em proporções semelhantes. Ao invés de combater a corrupção o Governo Lula legalizou-a com a lógica do “ rouba, mas faz”. 
Tudo isso, a conivência, a leniência, a tolerância, o incentivo à tungagem da coisa pública como estratégia de perpetuação no poder, fizeram de Lula um líder menor. Alguém que usa seu prestígio junto as massas para obter lucros para si, para sua família – Lulinha – e seus companheiros. Mais que isso, o comportamento de Lula no exercício do poder, desmoraliza até mesmo as teses pseudo esquerdistas das quais o PT se apropriou nos seus vinte e tantos anos. 
Em síntese pode-se dizer que Lula até encheu a barriga de alguns pobres e enriqueceu seus companheiros, mas fez muito mal ao Brasil ao nivela-lo por baixo, ao tornar a desonestidade um hábito, uma ferramenta de trabalho, e ao apequenar o cargo político mais importante do País. 
Lula, na verdade, não é de esquerda nem de direita, é Lula. A prova disto é que, como último ato de sabotagem ao seu próprio partido, para não correr riscos durante o ostracismo que se avizinha, Lula resolveu apoiar um poste para sua sucessão, uma aventureira que nunca teve papel de destaque em nada do que fez em toda a sua vida. Uma pessoa que sempre foi subordinada e nunca representou ninguém além dela mesma. Dilma Roussef é um zero à esquerda. Lula até poderia usa-la para mostrar quem manda no PT, para deixar claro que o PT, para ele, Lula, não passa de massa de manobra. Impor Dilma ao Brasil, no entanto, é uma temeridade que trai até seus mais fiéis eleitores no seio do povo, pois, deste, Dilma nunca suportou nem o cheiro. Para garantir seu retorno ao Poder em 2014, Lula empurra pela goela da nação abaixo um purgante aditivado, apostando no caos. 
A sociedade, no entanto, não está encabrestada por Lula e pode reagir e escolher o melhor para o Brasil. Comparar Serra com Dilma é até covardia. Serra é de longe mais preparado, mais qualificado, mais experiente e, acima de tudo, honesto. 
O Brasil precisa de gente séria. Não se pode apostar o futuro do País no nivelamento por baixo. Precisamos de grandes governantes. Serra é estadista e em 40 anos de vida pública só fez o bem para o Brasil em todos os cargos que ocupou. 
Eleição não é Fla x Flu, nem Grenal, nem Bavi. Eleição é coisa séria. É o que define o futuro de uma nação. A escolha é entre o orelhão e o celular, entre as estatais para o PT e as estatais para o Brasil, entre Dilma, o atraso, e Serra, o futuro. E Serra é o melhor para o Brasil. Até o PT reconheceu isso ao dar continuidade ao Governo FHC, na economia e no social. Serra45. 


Vicente Portella

23.10.10

Pelé - Primeira crônica de Nelson Rodrigues sobre o Rei


Reparem na data e nas palavras do Nelson Rodrigues. Sensacional!



Santos 5x3 América, 25/02/1958, no Maracanã, pelo Torneio Rio-São Paulo

Depois do jogo América x Santos, seria uma crime não fazer de Pelé o meu personagem da semana. Grande figura, que o meu confrade Albert Laurence chama de “o Domingos da Guia do ataque”. Examino a ficha de Pelé e tomo um susto: — dezessete anos! Há certas idades que são aberrantes, inverossímeis. Uma delas é a de Pelé. Eu, com mais de quarenta, custo a crer que alguém possa ter dezessete anos, jamais. Pois bem: — verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racionalmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — Ponham-no em qualquer rancho e sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor.
O que nós chamamos de realeza é, acima de todo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento. E o meu personagem tem uma tal sensação de superioridade que não faz cerimônias. Já lhe perguntaram: — “Quem é o maior meia do mundo?”. Ele respondeu, com a ênfase das certeza eternas: — “Eu”. Insistiram: — “Qual é o maior ponta do mundo?”. E Pelé: — “Eu”. Em outro qualquer, esse desplante faria rir ou sorrir. Mas o fabuloso craque põe no que diz uma tal carga de convicção, que ninguém reage e todos passam a admitir que ele seja, realmente, o maior de todas as posições. Nas pontas, nas meias e no centro, há de ser o mesmo, isto é, o incomparável Pelé.
Vejam o que ele fez, outro dia, no já referido América x Santos. Enfiou, e quase sempre pelo esforço pessoal, quatro gols em Pompéia. Sozinho, liquidou a partida, liquidou o América, monopolizou o placar. Ao meu lado, um americano doente estrebuchava: — “Vá jogar bem assim no diabo que o carregue!”. De certa feita, foi até desmoralizante. Ainda no primeiro tempo, ele recebe o couro no meio do campo. Outro qualquer teria despachado. Pelé, não. Olha para frente e o caminho até o gol está entupido de adversários. Mas o homem resolve fazer tudo sozinho. Dribla o primeiro e o segundo. Vem-lhe ao encalço, ferozmente, o terceiro, que Pelé corta sensacionalmente. Numa palavra: — sem passar a ninguém e sem ajuda de ninguém, ele promoveu a destruição minuciosa e sádica da defesa rubra. Até que chegou um momento em que não havia mais ninguém para driblar. Não existia uma defesa. Ou por outra: — a defesa estava indefesa. E, então, livre na área inimiga, Pelé achou que era demais driblar Pompéia e encaçapou de maneira genial e inapelável.
Ora, para fazer um gol assim não basta apenas o simples e puro futebol. É preciso algo mais, ou seja, essa plenitude de confiança, certeza, de otimismo, que faz de Pelé o craque imbatível. Quero crer que a sua maior virtude é, justamente, a imodéstia absoluta. Põe-se por cima de tudo e de todos. E acaba intimidando a própria bola, que vem aos seus pés com uma lambida docilidade de cadelinha. Hoje, até uma cambaxirra sabe que Pelé é imprescindível em qualquer escrete. Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Há de olhar os húngaros, os ingleses, os russos de alto a baixo. Não se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e mesmo insolente que precisamos. Sim, amigos: — aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os nossos adversários uns pernas-de-pau.


Nelson Rodrigues

20.10.10

Meninas da noite

Meninas da noite 
defloram a lua 
São belas atrizes 
e atuam 
no espaço ordinário 
entre o peito e a palavra 

Suas doces fragrâncias 
agravam 
as coisas do instinto 
Depois, vinho tinto 
suave ou rascante 
pra tornar gigantes 
os seres aflitos 



Meninas da noite 
dispensam os gritos 
das gargantas roucas 
Adoçam a boca 
com mel e saliva 
São como uma brisa 
suave e fresca 
na alma dos loucos 

Meninas da noite 
são flores pra poucos 
e afloram 
nos jarros vazios 
daqueles que amam 
os corpos e as almas 
mas, tolos, naufragam 
com todos os cios 
nas águas dos rios 
devassos e afoitos