30.11.07

Arcos da Lapa - 1

ARCOS DA CARIOCA - Atualmente Arcos da Lapa

1- SÉCULO XVIII
O que conhecemos hoje como Lapa estava fora dos muros da cidade em meados do século XVIII. A cidade propriamente dita estava cercada por morros e alagadiços e sofria de um crônico problema de abastecimento de água potável.
Do alto da serra que circundava a cidade, nascia um rio de nome Carioca, onde os escravos iam buscar a escassa água de boa qualidade, mediante uma marcha de muitas horas. Nessas nascentes, em meados do século XVII, havia sido iniciada a canalização das águas em direção à cidade.
As obras se arrastaram por décadas e foram objeto de muita controvérsia acerca da melhor solução e do melhor trajeto. Em 1721, a canalização chegou até o morro do Desterro, onde viria a ser construído o Convento de Santa Teresa. Entre o morro e a cidade, entretanto, estendiam-se 300 metros de brejos e lagoas, a serem vencidos com a milenar técnica romana de construção de arcos, uma ponte para as águas.
Os Arcos da Carioca foram construídos por braço escravo, utilizando pedra, tijolos, areia, cal e óleo de baleia. O primeiro chafariz, inaugurado no Largo da Carioca em 1723, fez a alegria da população e abriu caminho para a expansão da cidade.
Para sair da cidade passava-se pelo Caminho de Matacavalos e por uma estrada que margeava a lagoa da Sentinela, indo pelo arraial de Mataporcos (hoje Estácio), pelo Engenho Velho dos padres jesuítas e seguindo para os sertões, em direção à Capitania de Minas Gerais. Por este caminho, seguiam viajantes, mascates e soldados, guiando tropas de burros, levando açúcar, carvão e todo tipo de mercadorias. Por ele também vieram as duas expedições francesas que invadiram a Rio no século XVIII.
Ao final do século, o Rio de Janeiro era uma cidade obscura. A cultura portuguesa apresentava ainda fortes traços herdados de dez séculos de dominação árabe. A mulher de então ocupava posição subalterna e desconhecia as cenas da cidade, a não ser aquelas que se passavam à frente de seu balcão. Faziam parte do cenário, os homens que iam pelas ruas, donos da cidade e da política, e uma multidão de escravos, pedreiros, barbeiros ou sem profissão definida, e as negras de ganho ou de casa, também com hábitos muçulmanos adquiridos, roupas coloridas, panos de cabeça e costa, balangandãs.

Arcos da Lapa - 2

2 – SÉCULO XIX

Em meados do século XIX, o Rio de Janeiro, capital do Império do Brasil, era um cidade majoritariamente negra: dos 130 mil habitantes estimados em 1838, pelo menos dois terços eram escravos. Mantinha também muitos de seus aspectos de atrasada cidade colonial: a limpeza pública era escassa, a iluminação se fazia por raras lâmpadas de azeite de peixe, os esgotos corriam por calhas no meio das ruas e os meios de locomoção limitavam-se a poucos carros, muitos cavalos e os primeiros ônibus de tração animal, as chamadas gôndolas.
Os arrabaldes da cidade iam sendo progressivamente ocupados, especialmente após o desembarque da Família Real portuguesa em 1808, fugindo da guerra na Europa e trazendo consigo inúmeros cortesãos e extensa burocracia governamental.
Nas antigas chácaras e quintas da Lapa, foram surgindo novos e aristocráticos sobrados. O caminho do sul que levava do Largo da Lapa até os bairros do Catete e Flamengo, disputava a preferência das elites com as ruas dos Inválidos, Lavradio e Resende, recém-abertas sobre o aterro do brejo de Pedro Dias, por trás dos Arcos.
A área, que se urbanizava rapidamente, havia triplicado no período entre 1838 e 1888 e, a esta altura, a antiga lagoa do Boqueirão, bolsão de mar que entrava pela várzea e que já permitira navegação para pequenas atracações, tinha-se transformado num pântano, razão pela qual em 1790, o então vice-rei Luis de Vasconcellos fez aterrar o que restava da lagoa, onde construiu o primeiro parque da cidade, o Passeio Público.
O largo da Lapa foi, desde que os padres carmelitas se mudaram para ali em 1810, um dos cenários principais da festa do Divino Espírito Santo, a mais importante da cidade no seu tempo. Durante cinco semanas, o povo se divertia nas barraquinhas armadas no Largo, iluminadas à noite pelo espetáculo dos fogos de artifício.

Arcos da Lapa - 3

3- NA PASSAGEM DO SÉCULO XIX PARA O SÉCULO XX

O Rio de Janeiro passou por uma radical reforma urbana no início do século XX. A administração Pereira Passos construiu avenidas e um moderno porto na antiga cidade colonial, proibiu a criação de vacas e porcos no perímetro urbano, vacinou a população e proibiu mendigos de esmolarem pelas ruas. Promoveu desapropriações e demolições, expulsando da área central inúmeros trabalhadores e despossuídos.
Nesse contexto, a Lapa teve também vários de seus casebres e cortiços demolidos em poucas semanas para a construção da avenida Mem de Sá, o que exigiu ainda o arrasamento do morro do Senado bem como o aterro do que ainda restava das antigas lagoas. Por esta avenida, circulou o mais significativo dos símbolos da modernidade – o bonde elétrico, que levava para os novos subúrbios os operários que o centro da cidade não mais abrigava.
Depois de desativado o antigo aqueduto da Carioca, em 1896, os Arcos passaram a ser utilizados como viaduto para uma linha de bondes para Santa Teresa. Durante a administração Pereira Passos, a Lapa ganhou ares afrancesados, com a arborização do Largo, a recuperação do Passeio Público e a construção do lampadário. É desses dias a última visão da praia da Lapa, engolida pelo aterro da avenida Beira-Mar que seguia por toda a orla, até Botafogo, destinada a receber os elegantes palacetes da burguesia da época.

Arcos da Lapa - 4


4- SÉCULO XX – PRIMEIRA METADE

No primeiro terço do século, a Lapa era chamada de “Montmartre carioca”, seus restaurantes e cabarés abrigavam a noite mais movimentada, as mulheres mais famosas, os malandros mais renomados. A vida noturna, ali, oferecia opções para todos os gostos, ostentando a mais absoluta diversidade. Se numa mesa de café reuniam-se políticos e empresários, ou então intelectuais como Villa-Lobos, Manuel Bandeira, Mário de Andrade ou Rubem Braga, na mesa ao lado, poderia estar uma roda de samba ou a fina flor da malandragem da época.
Antes que a decadência viesse, com a repressão aos bordéis e à malandragem promovida pelo Estado Novo e a proibição dos jogos de azar no pós-guerra, e antes da ascensão de Copacabana, a Lapa vivia noites de puro brilho. O malandro autêntico tornou-se, então, figura de folclore, e o próprio Wilson Baptista rendeu-se e cantou: “O bonde São Januário / Leva mais um operário / Sou eu que vou trabalhar”.
Por trás da aura mágica da boemia e da noite, a Lapa também era zona industrial de pequenos estabelecimentos nos ramos de móveis, confecções, alimentos e bebidas. Até os anos 70, na rua dos Arcos, funcionou o símbolo dessa indústria – a Fundição Progresso, de cofres e fogões.
Pela manhã, enquanto boêmios se dirigiam aos pontos de bonde, a Lapa já ia sendo tomada por caminhoneiros, carregadores, comerciantes que começavam a montar a feira livre na praça defronte aos Arcos. Ao meio-dia, começavam a chegar os chamados “xepeiros” e logo em seguida, a Lapa começava a se preparar para mais uma noite de glória.

Arcos da Lapa - 5

5- SÉCULO XX – O ADVENTO DA MODERNIDADE

No pós-guerra, em meio à decadência da boemia, teve início o arrasamento do morro de Santo Antônio, nos anos 50, com o objetivo de abrir espaços no centro da cidade para pessoas e veículos. A Lapa, era vizinha dos canteiros de obras dos grandes edifícios que surgiam na esplanada e por isso, entrou num processo de deterioração dos velhos centros urbanos. É neste contexto que algumas casas famosas mudaram-se para endereços próximos, como o Restaurante Capela e o Cabaré Casanova. Outras casas escaparam por pouco da extinção, como a Sala Cecília Meireles, que ainda funciona ali.
Na década de 60, surge um projeto governamental para a construção de uma grande avenida que cortasse o Centro de norte a sul, repetindo o feito de Pereira Passos e desafogando a sua antiga avenida Central. No meio do caminho estava a Lapa. O plano mais tarde foi abandonado, mas a Lapa por pouco não sumiu do mapa, pois em poucos anos quarteirões inteiros foram arrasados e inúmeros prédios foram demolidos.
Tal processo de renovação durou até os anos 70. A Fundição Progresso, que havia sido fechada em 1976, chegou a sentir o impacto das marretas antes que uma mobilização de artistas, intelectuais e moradores das vizinhanças a salvasse da demolição, transformando-a em símbolo de renascimento cultural.
Depois do cataclisma dos anos 70, a noite da lapa começou a esquentar de novo. A Sala Cecília Meireles assumiu o papel de principal casa de espetáculos da cidade para música instrumental, com acústica excepcional. O Asa Branca, com pista de dança e show ao vivo, é importante espaço de música popular, repetindo o estilo das antigas casa de espetáculos do lugar. Um circuito de bares e restaurantes de todos os cardápios indica o renascimento da vida noturna do centro da cidade.
Um dos pontos altos da noite da Lapa tem sido o Circo Voador, misto de gafieira e casa de espetáculos instalada numa praça atrás dos Arcos. Voltam a conviver sob os Arcos da Carioca as muitas faces da cidade. Nas mesmas calçadas caminham boêmios e catadores de papel, apressados comerciários lutando por um lugar nos milhares de ônibus que circulam diariamente onde, há dois séculos, pastavam vacas à beira de uma lagoa.
A Lapa foi urbana, suburbana e rural. Depois de nascer de novo sob o signo dos conventos e seminários, teve uma vida das mais atribuladas, de rainha da noite da cidade. Palco da obra mais ousada de seu tempo, os Arcos da Carioca chegam ao Século XXI, cheios de vitalidade, transformando-se novamente em coração noturno do centro da cidade.


Saiba mais
Adaptação do texto original constante da publicação “Arcos da Lapa 1755 a 1991- Um passeio no tempo” – Instituto de Planejamento Municipal – 4ª edição - 1991
Revisão e adaptação: Sônia Maria Queiroz de Oliveira e Natércia Rossi
Colaboração: Edwilson da Silva e Neide Carvalho Monteiro
A publicação "Arcos da Lapa 1755 a 1991 - Um passeio no tempo" está à venda na livraria do Instituto Pereira Passos - Rua Gago Coutinho, nº 52 - Laranjeiras - Rio de Janeiro - tel 2555-8083
e-mail: livrosipp@pcrj.rj.gov.br

29.11.07

O Meu País

Composição: Livardo Alves - Orlando Tejo - Gilvan Chaves Gravada por Zé Ramalho

Tô vendo tudo, tô vendo tudo
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo
Um país que crianças elimina
Que não ouve o clamor dos esquecidos
Onde nunca os humildes são ouvidos
E uma elite sem deus é quem domina
Que permite um estupro em cada esquina
E a certeza da dúvida infeliz
Onde quem tem razão baixa a cerviz
E massacra - se o negro e a mulher
Pode ser o país de quem quiser
Mas não é, com certeza, o meu país

Um país onde as leis são descartáveis
Por ausência de códigos corretos
Com quarenta milhões de analfabetos
E maior multidão de miseráveis
Um país onde os homens confiáveis
Não têm voz, não têm vez, nem diretriz
Mas corruptos têm voz e vez e bis
E o respaldo de estímulo incomum
Pode ser o país de qualquer um
Mas não é com certeza o meu país

Um país que perdeu a identidade
Sepultou o idioma português
Aprendeu a falar pornofonês
Aderindo à global vulgaridade
Um país que não tem capacidade
De saber o que pensa e o que diz
Que não pode esconder a cicatriz
De um povo de bem que vive mal
Pode ser o país do carnaval
Mas não é com certeza o meu país

Um país que seus índios discrimina
E as ciências e as artes não respeita
Um país que ainda morre de maleita
Por atraso geral da medicina
Um país onde escola não ensina
E hospital não dispõe de raio - x
Onde a gente dos morros é feliz
Se tem água de chuva e luz do sol
Pode ser o país do futebol
Mas não é com certeza o meu país

Tô vendo tudo, tô vendo tudo
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo

Um país que é doente e não se cura
Quer ficar sempre no terceiro mundo
Que do poço fatal chegou ao fundo
Sem saber emergir da noite escura
Um país que engoliu a compostura
Atendendo a políticos sutis
Que dividem o brasil em mil brasis
Pra melhor assaltar de ponta a ponta
Pode ser o país do faz-de-conta
Mas não é com certeza o meu país

Tô vendo tudo, tô vendo tudo
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo

O Brasil, o IDH da Onu e a revista MAD...

Certamente a ONU adotou critérios políticos para a inclusão do Brasil entre os 70 países do mundo com maior IDH. Nada, além disso, justifica tamanha falácia.
Nasci e me criei na Baixada, em Duque de caxias, e posso afirmar que em termos de IDH aquela região esta mais próxima da idade média que do século 21. Por incrível que pareça, no entanto, há muitas outras regiões no País com IDH muito abaixo da Baixada Fluminense

Trabalho com saneamento, e nossa estrutura, não apenas regional, mas nacional, em termos de coleta e tratamento de esgôto, elemento fundamental para o IDH, é sofrível.
No Rio de Janeiro, diga-se de passagem, ocorreram investimentos pesados nessa área no Governo passado. No resto do Brasil, não. Em São Paulo, por exemplo, preferiram estabelecer metas exclusivamente finaceiras para a SABESP, concepção atrasada do ponto de vista social que agora, infelizmente, foi adotada também no Rio de Janeiro. O que significa que o aspecto social, humano e salutar do saneamento foi abandonado.

A divulgação, e pior, qualquer comemoração pelo fato do Brasil ter sido incluido nesta lista é extremamente perigosa. Temo que os Governantes considerem que tenhamos chegado às portas do paraíso. Mas obviamente isso é uma grotesca inverdade.

Há uma canção chamada "O Meu País", gravada por Zé Ramalho, que em um de seus versos diz que o Brasil se recusa a sair do terceiro mundo. É mais ou menos isso. Quem deveria estar trabalhando para uma evolução real da qualidade de vida do povo brasileiro vai passar os próximos meses, ou quem sabe anos, comemorando esta vitória de Pirro. Algo lamentável e trágico.
Isso é coisa de maluco. Por isso vai, aí em cima, a foto do garoto com cara de retardado, Alfred E. Neuman, que era símbolo da antiga revista MAD. Dizem que la nos EUA esse garoto cresceu e acabou virando Presidente.

23.11.07

Portal do tempo

É o último dia de dezembro
Tu te perguntas se estás mesmo pronto
Pensa em quem vai
Dali
Sair correndo
Ou em quem vai
Ficar
Juntando escombros

Em como vão reagir os amigos
Os inimigos
Os desconhecidos
Pensa nos anos todos sucumbidos
E nas vitórias
Nos milhões de planos

E tu te sentas
Calmo
Na poltrona
Bebes de um gole só o desespero
Da esperança
Criada em cativeiro
Tira os suportes
Para próxima semana
Próximo mês
Talvez
Próxima era

Pra se molhar
Os dedos na quimera
E rabiscar na tela outros anos

E se uma bomba explodir
Aflita
Na tua rua ou na tua cama
Saber que a bomba
Mente
Traí
Engana
E que em momento algum ela te habita

Dentro de ti há árvores seculares
Flores diversas
Cores variadas
Texturas próprias
Fontes preparadas
Para fluir até o fim dos dias

E se a bomba parecer potente
Basta sabe-la vil
Covardemente construída
Para impedir a vida
De ampliar seus ramos
Pela nova estrada

Basta saber
Que não há de ser nada
Que os dias vem e vão
Indiferentes

Bombas e balas
Não são suficientes
Para impedir teu sonho em movimento

Abra o champanhe
Comemore a glória
De ver a vida abraçada à história
Atravessando o portal do tempo

Vicente Portella

19.11.07

Amores

Não quero mais te falar de amores
As dores e as cores das flores
Se adentram
Se fundem
Se encontram em um mesmo tom
Leia, amor, os príncipes
De Maquiavel e Exupéry
Um anjo é mau o outro é bom
Dê seus ouvidos aos loucos
Todas as flores do mundo são poetas mortos
Poetas são meros amontoados de amores vãos
Leia, amor, os cânticos
As odes
E os nobres poemas de um autor qualquer
Leia, amor, os Clássicos
Mas não vá se perder, por favor, na paixão dos românticos
Meu mal (eu não sei) me parece de amor
Pode ser vaidade
E vai a idade chegando e a coisa se agrava
(Perdão, eu roubei para mim este verso do Afonso)
- Um poema escrito pra ti com um verso roubado -
Eu sou mesmo um sonso
Mas você
Não será nunca a moça
Que está no portão
Assim como eu não serei
Jamais um menestrel
Nem Milton
Eu sou um qualquer indivíduo da plebe
Que ama, que chora, faz sexo, tem febre
E paga aluguel
Perdoe amor, sou fraco
Em geografia da fome Josué de Castro
Expõe menos dores que aquelas que trago no meu coração
Eu nunca mais te componho em poema ou canção
Não faço
Mais nenhum verso pra ti
Quando os amores acabam
Desabam
E não deixam rastros
Os padres (eu acho)
E os bispos de um modo geral
Não padecem de forma alguma deste estranho mal
Perdoe, amor sou prático
Meu lado lunático não mais me permite compor poesias pra ti
Adeus, amor, um abraço
Agora eu já disse à você quase tudo
Não tudo, mas quase
Meus versos me aprazem
Já posso partir



Vicente Portella

Teus

Dedos meus
De mãos, de pés
Que ao invés de serem de outros eus
São meus e andam de viés

Pelos meus
Cabelos
Que são teus por tantas vezes
Tanto quanto as veias
Falsas veias dos meus pés
Meio minhas
Montes
Tantas vezes tão sozinhas
Me parecem na verdade
Naufragando os olhos teus

Corpo meu
Tão meu, tão torto
Me parece mais
Teu corpo
Entre o porto e o mar que é teu

Marca, é teu
Os dedos, mãos e pés
Cabelos, pelos
Todos
Boca, corpo
Tudo
Mesmo o mar
A marca
O monte
A meia
A veia
E a lágrima do mar
E o ar
E os olhos meus

Marca, é teu
Pode levar



Vicente Portella

8.11.07

Covardia e insanidade

A insanidade e a covardia se apossaram mais uma vez do Rio de Janeiro. Ao contrário de outras vezes, no entanto, experimentei ambas hoje bem de perto. A vida de um amigo meu, Léo, foi roubada, tomada pela ignorância humana atualmente à serviço do caos.
O jovem cabo Leonardo Peterson de Freitas, além de amigo pessoal, era um policial sério, honrado e extremamente querido e respeitado por amigos e vizinhos do Bairro Olavo Bilac, em Duque de Caxias, onde nasci e fui criado. Conheci-o, inclusive, exercendo a nobre tarefa de auxiliar amigos em dificuldades, coisa rara no mundo em que vivemos hoje.

A história de seu assassinato pode ser lida nos jornais de hoje. Ou nos de ontem e, infelizmente, nos jornais também de amanhã: Um policial absurdamente morto por traficantes em uma favela do Rio. Desta vez, foi no Andaraí. E claro, agravou soberbamente a minha indignação por tratar-se de um amigo. Mas fico pensando quantos outros amigos ja choraram tantas outras mortes igualmente absurdas e insanas inspiradas na covardia? É inumano imaginar que um Estado ou um Páis, que um povo inteiro, possa viver assim. Refén da morte, do crime e principalmente do ente público que lhe cobra impostos em nome da organização social.

Amanhã certamente não haverá uma cruz nas areias de Copacabana para homenagear a memória do meu amigo, pois o movimento "Viva Rico" tem limitações tanto geográficas quanto sociais.

Mas tanto nós do Olavo Bilac, quanto seus companheiros de farda - que subiram o morro chorando para capturar seus assassinos - e até mesmo, certamente, as pessoas de bem moradoras daquela comunidade pobre que conheciam e conviviam com Léo, saberemos honrar sua memória.

Confirmado: na Suiça também tem ladrão

Deu no Blog do Garotinho...

PF revela interesse de bancos
suíços nas fortunas do Brasil

Não, a foto acima não é de um traficante perigoso capturado pela polícia e retratada nas páginas policiais dos jornais. Trata-se de Luc Depensaz, funcionário do banco Suíço UBS, acusado pela Polícia federal de colaborar com sonegadores brasileiros abrigando fortunas em seu país.

A Polícia Federal desencadeou ontem (07/11) a Operação Kaspar II na qual foram presas 20 pessoas, entre empresários brasileiros, doleiros e funcionários suíços das instituições bancárias daquele país suspeitas de envolvimento com a quadrilha.

O UBS nada mais é do que o líder mundial na gestão de fortunas. O banco informou num comunicado oficial que seu funcionário *Luc Depensaz) preso pela Polícia Federal é baseado na Suíça. Entretanto, o banco não soube explicar o que ele fazia no Brasil. O UBS é acusado, juntamente com o Clariden Leu, também de bandeira suíça, de envolvimento num esquema milionário, responsável por profundas perdas causadas ao Fisco brasileiro. Estima-se que o grupo sonegou algo em torno de R$ 1 bilhão em impostos.

Nos últimos tempos, os bancos suíços vêm montando grandes estruturas em seus escritórios em Genebra e Zurique para atender a clientes brasileiros. O UBS e o Credit Suisse contrataram funcionários brasileiros e outras instituições têm oferecido até aulas de português a seus executivos.

Nem parece que vivemos num país onde a miséria e a fome ainda insistem em povoar nossa realidade, contrastando com o alto padrão de vida ostentado por uma parcela irrisória da população.

( Reproduzido do blog do ex-governador Garotinho )

2.11.07

Autofágico

Preciso arrumar as coisas
A poeira, os CDs, as contas espalhadas
As Pagas e as não pagas
Coisas mortas e coisas avivadas
periodicamente
Na minúcia de cada gesto inútil

Preciso arranjar alguém para bater o tapete
Para abrir vez em quando a janela
E deixar entrar algum ar pela casa
Nem que seja só para reforçar a impressão
De que a mesma dispõe de habitantes vivos

Preciso trocar de lugar os livros
Tirar o pó da estante
Ligar a televisão
Fazer algum barulho
Por mais ínfimo que seja
Para que os vizinhos não percebam
O silencio da solidão

Preciso gritar
Chorar talvez
Ou dar gargalhadas
Para tentar passar a idéia
De que há gente zanzando
Bebendo e se divertindo
No apartamento vazio

Quiçá até seja prudente
Berrar pela janela aberta
Pro povo que anda na rua
- Traga pra cá mais cerveja
Mais coca, vodca e vinho
Vamos brindar a incerteza

Preciso limpar a casa
Tirar, lavar as cortinas
Degelar a geladeira
Jogar muita coisa fora

Por uns quadros na parede
E fugir do apavoramento
Que causa o espaço morto

Preciso enganar o vento
Abrir a porta e faze-lo
Passar por dentro da sala
Soprar sobre as coisas todas
E sentir-se aconchegado

Preciso ir ao mercado
Preparar comes e bebes
Montar uma mesa farta
Fingir extrema alegria
E esperar os convidados
Ouvindo antigas canções

E então sentar no sofá
Beber minha própria bebida
Olhando os prédios lá fora

A certeza mais amiga
No inverno esta no conhaque
E no verão na cerveja

É fato, se ninguém chega
Ninguém também vai embora.



Vicente Portella